O Ver-o-Fato continua a publicar trechos inéditos da denúncia do Ministério Público Federal (MPF) – leia-se procuradora da República, Meliza Alves Pessoa – sobre o envolvimento da empresa Agropalma em fraudes, corrupção e grilagem de terras privadas e públicas na região entre os municípios do Acará e Tailândia.
Vamos tratar hoje do depoimento, na Polícia Federal, da ex-tabeliã Maria do Socorro Puga de Oliveira, que já foi dirigente do Cartório Lobato, do Acará, mas que após a morte do marido, Antônio Pinto Lobato, montou um cartório “fantasma” chamado Oliveira Santos, onde ela lavrou 15 certidões falsas em favor da Agropalma.
No depoimento, ela admitiu ter sido tabeliã do Cartório Lobato apenas até outubro de 2005, quando foi afastada por “questões administrativas” que, segundo ela, remontavam ao período de seu falecido esposo à frente da serventia. Socorro disse que o filho dela nunca exerceu atividade de escrevente no Ofício do Acará e que os dois não conheciam ou mantinham qualquer relação com Antônio Pereira da Silva, gerente-geral da Agropalma, ao tempo dos fatos. Antônio não foi denunciado pelo MPF porque faleceu de Covid-19, no começo de 2021.
Socorro declarou à PF que a renda dela, atualmente, provém de venda de comida. Disse que o marido faz a comida e ela o ajuda. E acrescentou que permaneceu até outubro de 2005 no Cartório Lobato. Contou que houve efeito suspensivo a favor dela, concedido por uma desembargadora do Tribunal de Justiça, mas argumentou que não quis ficar no cartório, que depois foi assumido pelo interventor, Valdete do Carmo.
Alegou ter sido afastada do Cartório Lobato por questões administrativas e por coisas que foram feitas na época do marido dela. Perguntada quais falhas administrativas eram essas, respondeu terem sido “erros técnicos de repartições”, mas não soube explicar que erros foram esses. Disse ainda que não recordava se havia assinado documentos do cartório após 2005. Também disse que não lembrava do ano em que foi publicado seu afastamento pelo Tribunal de Justiça, que acha que foi 2006, mas não tem certeza.
Perguntada se o filho – Antônio Pinto Lobato Filho, também falecido de Covid-19 no início de 2021 – já havia trabalhado no cartório, respondeu que, efetivamente, não trabalhou, assinalando que seu marido falecido somente o nomeou como escrevente. Informou que uma irmã dela também foi nomeada como escrevente. Ao ser questionada porque afirmou na polícia civil que seu filho não trabalhou, respondeu que ele foi nomeado, mas não exerceu atividade de escrevente. Sobre o fato de o filho ter dito à PF que havia trabalhado no cartório enquanto cursava a faculdade de Direito, Socorro respondeu que não sabia dizer.
Sobre a relação com Antonio Pereira da Silva (ex-gerente-geral da Agropalma), disse que somente conhecia-o de vista, já que ele era uma pessoa notória da cidade. Que também o conhecia por ter registrado cédulas pignoratícias hipotecárias da Agropalma. Sobre isso, informou que recebia o pagamento por meio de “dona Ieda”, do setor financeiro da Agropalma. Negou ter relação de amizade com Antônio Pereira, nem com José Hilário, ex-presidente da empresa e que nunca o viu.
A respeito de Saulo Sales Figueira, sobrinho de Jairo Mendes Sales, o homem que fez inúmeras fraudes nas terras depois vendidas para a Agropalma, Socorro relatou que conhece Saulo em razão de ele freqüentar a mesma igreja que ela, a Igreja Batista Sião. Segundo a ex-cartorária, Saulo é apenas seu conhecido e não tem amizade com ele. E informou que Saulo comprou uma fazenda e ela fez a documentação. Essa fazenda se chama Conquista e ficava no município de Acará.
Perícia desmente Socorro
Perguntada sobre que tipo de serviço havia prestado à Agropalma, respondeu que o representante da Agropalma “comparecia ao cartório, como todas as outras empresas que iam realizar o serviço, e o serviço era realizado pelo setor competente do cartório”.
Ela realizava “escritura de alguns documentos” e também “registro de imóveis”. Assinalou que a origem desses documentos já tinha sido registrada pelo falecido marido dela e que apenas “ só deu continuidade”. Negou ter sido responsável pelo Cartório Oliveira Santos, o cartório “fantasma”. Confrontada como explica sua assinatura e a de seu filho em documentos com o carimbo do cartório Oliveira Santos, respondeu que não reconhecia a assinatura dela. Detalhe: perícia da Polícia Civil apontou que a assinatura era dela.
Quanto à assinatura do filho, respondeu que somente ele poderia dizer, mas acredita que alguém tenha “forjado seus documentos”. Que perguntada como explica que a perícia grafotécnica do seu primeiro interrogatório na Polícia Civil do Acará tenha constatado que a assinatura era dela, respondeu que “não sabia explicar” e que “desconhece esse fato”
Indagada sobre quanto recebeu para realizar estas fraudes, quem a contratou diretamente e por qual motivo, respondeu que “não cometeu nenhuma fraude” e que a prova é que a interrogada “não tem nada e sua situação financeira é precária”. Sobre a função do filho no esquema, respondeu que era nenhuma. Disse que o filho nem conhecia Seu Pereira (Antonio Pereira da Silva). Ao ser perguntada sobre quantas pessoas do cartório Lobato estavam envolvidas, respondeu que não sabe, já que “não cometeu fraude”.
O filho da ex-cartorária, Antônio Pinto Lobato Filho, por sua vez, chegou a ser ouvido nos autos do inquérito policial, quando também alegou desconhecer os representantes da Agropalma, Antônio Pereira da Silva e José Hilário Rodrigues de Freitas, embora tenha entrado em contradição com a mãe, ao afirmar que trabalhou no Cartório do Acará.
A denúncia do MPF ressalta que, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão na residência de Maria do Socorro Puga, foram encontrados diversos carimbos do Cartório do Acará, “apesar de ela haver sido destituída em outubro de 2005, ou seja, 13 anos antes da deflagração da Operação Apate, não se justificando a presença destes objetos em sua casa, senão pelo intuito de perpetuar a prática ilícita”.
Mãe e filho, amigos de diretor da Agropalma
Por outro lado, durante as buscas da PF, foi localizada uma pasta do Cartório Lobato na residência de Antônio Lobato Filho, indicando-o substituto da denunciada, a mãe Maria do Socorro, como tabelião no Ofício do Acará, o que desmente as declarações de ambos à polícia, no sentido de que Antônio Lobato não teria exercido tal função.
“Ainda, a reforçar que mãe e filho mentiram em sede policial, pois análises de e-mails e telefones apreendidos no curso da Operação Apate revelaram a existência de um e-mail enviado por Antônio Lobato Filho a Antônio Pereira da Silva, ex-gerente da Agropalma, no qual, após dizer-se “surpreso com a frieza” do representante da empresa, a quem “considerava como amigo da família”, questionava a forma como foi tratado pelo gerente-geral da empresa em um evento da Parabiodiesel, e mencionava “negócios” realizados por ambos. No documento, Antônio Lobato Filho chega a dizer ao então gerente da Agropalma que “(…) antes de lhe ver como empresário e executivo, lhe vejo como um amigo da minha família, da minha mãe”, afirma o MPF.
Essa correspondência, resume a denúncia do MPF, “além de desconstituir o teor das declarações prestadas por Maria do Socorro e por seu filho, demonstrando que mantinham estreita relação pessoal com Antônio Pereira da Silva, comprova que tal proximidade dava-se em função da negociação – que, agora, revela-se espúria – de serviços cartoriais”.
Por todo o exposto, resume trecho da denúncia à Justiça Federal, “conclui-se com segurança que a denunciada, ao lado de seu filho Antônio Pinto Lobato (falecido), com vontade livre e consciente, integrou organização criminosa chefiada por José Hilário Rodrigues de Freitas e Antônio Pereira da Silva (falecido), a serviço da qual falsificou documentos cartorários públicos que, posteriormente, instruíram processos administrativos perante o Iterpa e o Incra, tudo com vistas a conferir aparente legalidade à ocupação indevida de propriedades rurais, em benefício de empresas do Grupo Agropalma”.