Representantes de órgãos públicos federais e estaduais decidiram, nessa segunda-feira (15), criar um comitê de crise para conter a escalada de conflitos pela terra no Vale do Acará, nordeste do Pará. Também ficou estabelecida a ampliação de um grupo de trabalho já existente para a investigação dos crimes.
As definições foram tomadas em reunião de emergência realizada na sede do Ministério Público Federal (MPF) em Belém. No domingo (14), um cacique Tembé foi baleado em Tomé-Açu, no que pode ser mais um capítulo da série de violações que indígenas e quilombolas vêm sofrendo desde que a implantação do monocultivo do dendê acirrou os conflitos socioambientais na região.
O comitê de crise será formado por MPF, Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE-PA), Secretaria de Estado dos Povos Indígenas (Sepi) e Secretaria de Estado de Igualdade Racial e Direitos Humanos (Seirdh). O objetivo é encontrar soluções para garantir o direito das comunidades à terra independentemente do tempo de tramitação dos procedimentos de demarcação.
O grupo também vai atuar para a revisão do planejamento feito para a expansão do monocultivo do dendê na região. Segundo o MPPA, que investigou o plano – chamado de macrozoneamento –, os territórios quilombolas foram ignorados e não foi prevista zona de amortecimento para redução dos impactos em áreas indígenas.
O grupo de trabalho de investigação criminal, formado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), pela Polícia Civil, pela Polícia Militar, pela Polícia Federal, pelo MPPA e pela DPE, terá também como integrantes o MPF, a Sepi e a Seirdh, além de novos setores do MPPA, como o Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos. O objetivo será o de estabelecer atuação conjunta, que permita a troca de dados levantados e o esclarecimento dos crimes e das interconexões entre eles.
O MPF solicitará que tanto o comitê de crise quanto o grupo de investigações criminais realizem reuniões periódicas em Tomé-Açú para prestar informações às comunidades sobre o andamento dos trabalhos.
‘O Estado puxou o gatilho’
A maior crítica das lideranças indígenas e quilombolas que participaram da reunião no MPF é relativa à falta de serviço de segurança pública na região do Vale do Acará que atue em defesa das vítimas dos conflitos agrários. Segundo as lideranças, as vítimas são criminalizadas e intimidadas pela polícia. E a polícia, que deveria garantir a segurança, vira fonte de medo para as famílias, afirmam as lideranças.
O secretário adjunto de Operações da Segup, Luciano de Oliveira, discordou desse entendimento das famílias. As forças policiais, segundo ele, atuam de forma imparcial, sem tomar partido nem das empresas nem de comunidades. Para que os conflitos acabem, é preciso que o Poder Judiciário e os órgãos fundiários resolvam a questão do direito à terra, reforçou Oliveira.
“Quem puxou o gatilho foi o dedo do Estado”, disse o coordenador-geral da Associação dos Moradores e Agricultores Remanescentes Quilombolas do Alto Acará (Amarqualta), Paulo Nunes, em referência à tentativa de homicídio sofrida no domingo pela liderança indígena Lúcio Tembé. Nunes classifica como negacionismo o modo como o poder público trata as comunidades, e registra que boa parte dos acionistas das empresas produtoras de dendê é formada por políticos.
A liderança Paratê Tembé, filho do cacique baleado no último fim de semana, destacou que o Estado deveria ter tomado medidas preventivas há muito tempo e que nada foi feito. “O Ministério Público do Estado já até pediu a prisão de dono de empresa, mas não resultou em nada”, lamenta. Segundo ele, as comunidades sofrem ataques há quase dez anos. O advogado Jorde Tembé elencou vários, incluindo casos de torturas, incêndios, tiros e agressões. Além dos Tembé e de quilombolas, os indígenas Turiwara também são vítimas dos conflitos socioambientais.
‘Basta’, afirma chefe do MPF
– “Para o MPF, basta”, frisou o procurador-chefe da instituição no Pará, Felipe de Moura Palha. Além de propor a criação do comitê de crise e a ampliação do grupo de investigação, o representante do MPF relatou o histórico de atuação do órgão no tema. “É mais um triste episódio de grave violação de direitos humanos na Amazônia. Todo processo de implantação de grandes projetos precisa ser revisto e levar em consideração os direitos das comunidades tradicionais que são vilipendiados diariamente. Sobre a tentativa de homicídio contra o cacique Tembé, ainda é cedo para apontar culpados, mas o MPF acompanhará de perto as investigações”, declarou.
O procurador-chefe informou, durante a reunião, que no fim de 2022 o MPF obteve decisão no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília (DF), para garantir a realização de perícia científica para mensurar os impactos da atuação da empresa Biopalma da Amazônia – atual Brasil BioFuels (BBF) – sobre a Terra Indígena Turé-Mariquita, em Tomé-Açu. Desde 2014, o MPF aponta que há indícios de que o uso de agrotóxicos no cultivo de dendê pela empresa provoca sérios danos ao meio ambiente e, principalmente, à saúde dos indígenas.
A promotora de Justiça Eliane Moreira, do MPPA, ressaltou a necessidade da revisão urgente do macrozoneamento do dendê. “É algo que pode ser revisto agora. Ou os territórios quilombolas e as zonas de amortecimento de impactos aos indígenas passam a ser considerados no macrozoneamento ou então não teremos solução para os conflitos”, alertou.
A representante do MPPA também apontou a importância de que sejam respeitadas as regras estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Conselho Estadual de Segurança Pública (Consep) para as reintegrações de posse. Ainda ressaltou a necessidade da transparência sobre quais medidas serão adotadas pelo programa de proteção de defensores de direitos humanos para proteger a vida das lideranças sob ataque no Vale do Acará.
Outro ponto a ser discutido é o licenciamento ambiental das empresas de monocultura de dendê. Para produções em larga escala, como a do dendê, tem que ser exigido licenciamento ambiental com estudos do componente indígena e quilombola, defende a integrante do MPPA. Com informações da Ascom do MPF no Pará.
Atualização
Nota da BBF critica chefe do MPF e cita relatório da PF:
“ O Grupo BBF (Brasil BioFuels) inicialmente cumprimenta o Governo do Estado do Pará e enaltece o trabalho das equipes da Polícia Civil, pelo rápido esclarecimento sobre a tentativa de homicídio sofrida pelo cacique Lúcio Tembé na madrugada do último domingo, dia 14, e vem a público repudiar a declaração sem fundamento do procurador do Ministério Público Federal, Sr. Felipe de Moura Palha.
Em coletiva realizada no dia 15 de maio em Belém, no Estado do Pará, o procurador vinculou o contexto enfrentado pela antiga empresa Biopalma,
adquirida pelo Grupo BBF em novembro de 2020, com a tentativa de assassinato do Cacique Lucio Tembé na madrugada de 14 de maio. Visando
prejudicar a reputação da empresa, o procurador da república convocou audiência com autoridades públicas e por meio da assessoria de
comunicação do Ministério Público do Pará enviou release à imprensa nacional, mencionando que “desde a instalação da empresa Biopalma ao
redor da Terra Indígena Turé Mariquita, em Tomé-Açu, vários episódios de violência contra os indígenas já ocorreram, relatam os ofícios expedidos
pelo MPF neste domingo”.
Uma clara estratégia de ilação, com objetivo de tirar o foco das investigações e prejudicar a empresa, que já vem sendo perseguida pelo procurador há mais de 2 anos, o qual faz acusações levianas e sem provas e/ou fundamentos do envolvimento da empresa contra povos tradicionais do Estado do Pará.
A empresa destaca ainda, que, conforme apontado na investigação da Polícia Civil do Pará, trata-se de um “acerto de contas” envolvendo o cacique
e J.R.D. – vulgo “passarinho”, preso em flagrante por tentativa de homicídio na tarde de 16 de maio, motivado pelo possível envolvimento com tráfico de drogas na região. Em coletiva de imprensa realizada na Delegacia Geral da Polícia Civil em Belém, nesta quarta-feira (17), o delegado geral da Polícia Civil detalhou a diligência deste caso, que corrobora com o contexto da situação que a empresa vem alertando e notificando as autoridades públicas há mais de 2 anos: Tomé Açu e Acará estão dominadas pelo crime, invasores indígenas e o crime organizado tomam conta do local.
As áreas invadidas se tornaram pontos de tráfico de drogas, motivação da tentativa de assassinato do cacique. Trabalhadores e moradores são vítimas desta teia do crime, que age no roubo de frutos de dendê para vendê-los a empresas receptadoras que atuam de forma ilegal na região.
Dentre as invasões promovidas pelo grupo formado por invasores indígenas Tembé, a empresa destaca o resultado da conclusão do Relatório da Polícia Federal N° 3553885/2022 que integra o Inquérito Policial IPL 2022.0023227- SR/PF/PA, instaurado em 12 de abril de 2022 e concluído em 26 de setembro de 2022.
O Relatório da Polícia Federal do Pará aponta que existe atuação criminosa na invasão de terras por indígenas Tembé em áreas da empresa. Segundo conclusão do relatório da Polícia Federal, são “pessoas agindo em causa própria e cometendo crimes patrimoniais contra a empresa, sem
quaisquer indícios de interesses da comunidade indígena, uma vez que restou cristalino que os crimes vêm sendo cometidos por indivíduos alheios
à comunidade indígena que se utilizam do retromencionado status para o cometimento de crimes com interesses pessoais”. Uma importante
conclusão, que destaca não ser uma ação coletiva da comunidade indígena que reside na região, mas sim de indivíduos que se beneficiam do status de indígenas para praticar o crime e utilizar veículos de imprensa, ONGs e rede sociais para se colocarem como vítimas no caso. Situação que se repetiu, infelizmente, neste caso do ataque ao cacique Lucio Tembé.
O relatório aponta também que não há, por parte da empresa BBF, invasões e/ou sobreposições de terras em áreas indígenas demarcadas e reforça a acusação de que os indígenas “admitem colher e comercializar o dendê plantado pela empresa na região limítrofe, o que em tese estaria
configurado o crime de furto, realizado individualmente por cada família”. O relatório da Polícia Federal também foi anexado ao processo criminal
0000329-55.2016.8.14.0076 no TJPA que tem como réus o cacique Lucio Tembé e seu filho Paratê Tembé, liderança indígena que desde 2015 vem
praticando os mesmos crimes desde à época da antiga empresa Biopalma, que foi adquirida pela BBF em novembro de 2020. Dentre os crimes
tipificados no processo criminal acima, estão associação criminosa, furto qualificado, dano qualificado e incêndio qualificado. Existe, desta forma,
uma atuação reiterada dos mesmos crimes praticados pelos mesmos indivíduos em desfavor das empresas, dos trabalhadores e das
comunidades da região.
A Companhia vem sendo vítima de invasões em suas terras há mais de 2 anos, promovidas pelo grupo formado por lideranças indígenas e
quilombolas que residem nas regiões do Acará e Tomé-Açu. A ação criminosa deste grupo envolve roubos, furtos, incêndios criminosos em
instalações físicas e equipamentos da empresa, agressões contra trabalhadores, vandalismo contra patrimônio, tentativa de estupro, tentativas de homicídio, entre outros. Todos os casos estão documentados em mais de 750 boletins de ocorrência registrados e em dezenas de ofícios
enviados aos órgãos públicos estadual e federal.
Por fim, o Grupo BBF reforça acreditar no poder público e na gestão do Governo do Estado para solução das invasões de terra. Mesmo com a
situação crítica enfrentada com invasões e violências realizadas pelo grupo criminoso, a empresa segue garantindo a manutenção dos mais de 5 mil empregos diretos gerados no Pará e confirma a sua perspectiva de ampliação de investimentos no Estado, cujo propósito é acelerar a
descarbonização da Floresta Amazônica, gerar empregos e desenvolvimento socioeconômico nas regiões onde atua.”