Reportagem do site Salve a Floresta, especializado em questões ambientais, afirma que a chamada sustentabilidade zero, propalada pela Agropalma, não passa de um “embuste por trás da certificação do óleo de palma” da empresa sediada em terras do Pará entre os municípios do Acará e Tailândia numa área de 106 mil – maior do que o tamanho da cidade do Rio de Janeiro e onde estão localizadas terras particulares da família Tabaranã, áreas públicas, quilombolas e indígena. Veja, abaixo, a íntegra da matéria do Salve a Floresta.
“Conglomerados alimentícios internacionais como a Danone, Ferrero e Kellog’s justificam seu consumo de óleo de palma com o selo de sustentabilidade RSPO. No entanto, os graves conflitos de terra e a permanente violência no entorno do conglomerado Agropalma, na Amazônia, mostram que a certificação não é feita nos conformes.
O conglomerado Agropalma acaba de perder, de novo, o selo da associação “Mesa Redonda para o Desenvolvimento Sustentável” (conhecida por sua sigla inglesa, RSPO). Em sua página na internet, o conglomerado gaba-se de ser “a maior produtora de óleo sustentável das Américas”, fazendo propaganda com o lema “Levamos para o mundo nossos produtos e o respeito à natureza e às pessoas”.
“A RSPO confirma que a certificação da Agropalma foi suspensa a partir de dezembro de 2023, depois de ter sido avaliada, no âmbito de uma fiscalização anual feita pela certificadora SCS Global Services (SCS)”. Isso nos foi comunicado pelo Secretariado da RSPO em 20 de março de 2024, em resposta a e-mail, que, de novo, tínhamos enviado.
A suspensão do selo – considerando a resposta da RSPO – aparentemente, tem a ver a com “as acusações contra a Agropalma no contexto de violações de direitos territoriais, consuetudinários e poluição da água por meio de esgoto”.
Já faz três anos que organizações ambientais e de direitos humanos estão denunciando os conflitos de terra causados pela Agropalma, bem como a violência por ela perpetrada contra a população local, no Pará. A propriedade de dez mil hectares de terra da Agropalma, nesse meio-tempo, já foi anulada por tribunais locais, em virtude de irregularidades.
Sobre o tema, “Salve a Floresta” iniciou, em 2022 a petição “A verdade sobre o óleo de palma do Brasil“. Dela, 77.000 pessoas já participaram. Além disso, a associação certificadora avaliou as respostas da Agropalma e dos clientes de seu óleo de palma.
Mais de 20 conhecidos conglomerados alimentícios internacionais – dentre os quais Alnatura, Danone, Ferrero (Nutella), Kellogg’s, Mars, Mondelez (Oreo), Nestlé, PepsiCo, Unilever (Kibon) e Upfield (Rama) – compram óleo de palma certificado da Agropalma.
Pântano de Incompetência ou Corrupção?
A SCS é uma empresa norte-americana acreditada pelo selo de certificação RSPO, a qual emite em favor da indústria do óleo de palma e de seus clientes certificados referentes a uma produção supostamente sustentável de óleo de palma. No entanto, aparentemente não foi apenas no caso da Agropalma que houve graves violações, o mesmo se deu também no tocante à certificadora que antecedeu a SCS, a saber, a brasileira IBD.
Como “Salve a Floresta” já havia reportado em 2023, essa situação gerou muitas críticas não só à Agropalma como também à IBD. Em todo caso, foi em virtude de irregularidades evidentes, ocorridas entre junho de 2022 e fevereiro de 2023, que também a certificadora IBD teve suas atividades suspensas pela RSPO. Isto foi feito pela organização “Assurance Services International” (ASI), a qual tem sede em Bonn, na Alemanha, e que fiscaliza os trabalhos de empresas certificadoras.
Quando ela mal tinha sido autorizada a voltar a funcionar, a IBD, por conta da pressão pública, suspendeu ainda em fevereiro de 2023 a certificação da RSPO das plantações de óleo de palma da Agropalma. Ocorre que poucos meses depois, em junho de 2023, a IBD, sem dar explicações, revogou a suspensão da certificação dessas plantações de óleo, que, portanto, voltaram a valer. Contudo, as causas dessa revogação da suspensão permaneceram completamente obscuras.
O sistema de certificação da RSPO, como um todo, é totalmente intransparente
No entanto, de acordo com a resposta da RSPO, as investigações da ASI relativamente à IBD também não estavam ainda encerradas. “A ASI confirmou as acusações e outras deficiências contra o IBD, as quais tinham de ter sido regularizadas pelo IBD“. O IBD, aparentemente, não teve condições de esclarecer o porquê de, conforme a resposta da RSPO, “a ASI, em 14 de agosto de 2023 ter destituído do IBD a legitimidade de realizar certificações para a RSPO“.
As acusações contra as plantações de óleo de palma da Agropalma, agora de novo certificadas, continuaram. E os conflitos violentos foram se agravando. Em novembro de 2023, um grupo de indígenas foi baleado dentro de uma plantação de óleo de palma da Agropalma por capangas da empresa – isso conforme reportagens noticiadas. Um indígena Turiwara morreu nesse atentado e dois de seus acompanhantes foram feridos; ademais, houve outras acusações graves contra a Agropalma, tais como, omissão de socorro, cárcere privado, roubo e destruição de propriedade privada.
Nesse meio-tempo, a Agropalma já havia encontrado no mercado uma nova empresa certificadora, a saber, a firma norte-americana SCS, que já fora mencionada acima. Em sua página de internet, a RSPO, atualmente, alista 26 certificadoras admitidas, dentre as quais, inclusive, a IBD, que continua lá. E a SCS, de novo, suspendeu, em dezembro de 2023, a certificação da RSPO relativamente a suas monoculturas de óleo de palma.
A Agropalma continua vendendo óleo de palma certificado pela RSPO
Contudo, a suspensão do selo da RSPO, aparentemente, vale apenas para 39.000 hectares de monocultura de palmas de óleo da Agropalma. Estas, aliás, foram fincadas na Amazônia paraense, segundo informações da Agropalma, entre 1982 e 2002. Para começo de conversa, entender o porquê de – justamente esse tipo de monocultura – ser elegível para a obtenção do selo é um dos segredos da RSPO.
Mas não é só isso. Tanto no banco de dados da RSPO como na página de internet da Agropalma continuam a ser encontrados 6 (seis) certificados válidos da RSPO, emitidos em outubro de 2023, os quais tem validade até 2026 ou 2028. Estes valem, conforme consta nas folhas em questão, para os assim chamados produtos da cadeia de suprimento (supply chain). Isso permite que a Agropalma continue a armazenar, processar, vender ou comercializar óleo de palma certificado.
Não está claro, porém, o que isso significa para os clientes da Agropalma. Outros contatos feitos por “Salve a Floresta” com a RSPO e a certificadora SCS, pelo menos até agora, não foram respondidos. Organizações de defesa do meio-ambiente e de direitos sociais e humanos do mundo todo – dentre elas a “Salve a Floresta” – rechaçam o selo da RSPO já há muitos anos, e o chamam de “fraude das etiquetas” e “maquiagem verde” (greenwashing).
Ativistas de “Salve a Floresta” estiveram, em pessoa, em monoculturas e moinhos da Agropalma, no Pará. Foi ajustado com as pessoas afetadas que lhes seria dado apoio e colaboração. Para eles, é muito importante que relatemos sobre a situação local e os conluios da indústria do óleo de palma e seus clientes internacionais.”