Os trabalhadores dormiam em barracões de lona, com piso de terra dura, não batida, e sem paredes ou proteções. A água utilizada por eles era proveniente de cacimbas cavadas nas proximidades, com detritos e insetos, e não atende aos padrões de potabilidade. Além disso, eles utilizavam um pano para coar a sujeira visível da água. Ante a falta de banheiros, as necessidades fisiológicas eram atendidas no mato.
Esse cenário, de absoluta degradação humana e violação de direitos, foi encontrado pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) em uma serraria ilegal de madeira nativa ao sul da Floresta Nacional de Caxiuanã, onde estavam cinco trabalhadores vítimas de trabalho análogo à escravidão, em Portel, no arquipélago do Marajó. A fiscalização atuou na área entre o dia 15 passado e ontem, 22.
A equipe que libertou os trabalhadores é coordenada por auditores-fiscais do trabalho e inclui representantes do Ministério Público do Trabalho, Polícia Federal e Defensoria Pública da União. Segundo as informações repassadas ao Ver-o-Fato, a serraria clandestina estava funcionando no local desde o final de setembro passado e só foi paralisada após o flagrante pela equipe do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM).
Chamou a atenção dos fiscais o isolamento geográfico da serraria. Após Portel, última cidade da região para quem se desloca a partir de Belém, ainda foram necessárias cerca de 24 horas entre deslocamento ininterrupto, fluvial e terrestre (por trilhas na mata), até se alcançar a serraria. Esse isolamento limitava a possibilidade de acesso dos trabalhadores aos serviços de saúde e ao comércio local.
A alimentação deles era fornecida por intermédio da cantina do empregador, com a anotação em um caderno, para posterior desconto, e inclui produtos proibidos para o pagamento in natura, como o tabaco. A alimentação disponível era insuficiente, e a proteína da dieta se resumia a ovos e um pouco de charque misturado ao feijão.
Um acidente ocorreu durante o mês de trabalho, com a queda de uma ripa sobre a cabeça de um dos trabalhadores. Embora necessitasse de atendimento especializado, ele foi socorrido apenas por seus colegas, que improvisaram curativos.
Os trabalhadores foram acolhidos pela equipe do GEFM, alimentados e levados até as suas residências por meio de uma embarcação locada pelo Governo Federal especialmente para a operação.
Desmatamento e escravidão
Segundo o coordenador da equipe, o auditor-fiscal do Trabalho, Magno Riga, os sucessivos episódios de resgate de trabalhadores em situação análoga à de escravo na região tem comprovado a íntima ligação entre o desmatamento da floresta nativa na Amazônia com aquela forma de violação extrema de direitos humanos trabalhistas.
“O desmatamento da Amazônia, seja para a produção de madeira, seja para a abertura de pasto, tem-se mostrado possível somente com o uso de trabalho análogo ao de escravo, constituindo atividades em que a riqueza não circula nas comunidades, mas se concentra na mão de poucos exploradores”, declarou Magno Riga.
Sobre o uso desse tipo de mão de obra, a procuradora do Trabalho, Silvia Silva, afirma que o trabalho em condições análogas a de escravo é uma grave violação de direitos humanos. Ela explica que os empregadores que submetem trabalhadores a essa condição respondem em diversas esferas, havendo a lavratura de autos de infração pela Auditoria Fiscal do Trabalho e a possível inclusão do nome na lista suja de empregadores.
Quanto à atuação do Ministério Público do Trabalho, “há responsabilização mediante a assinatura de Termo de Ajuste de Conduta ou ajuizamento de ação civil pública pelo MPT para pagamento das verbas rescisórias dos empregados e indenização por dano moral coletivo e individual, bem como encaminhamento do relatório de fiscalização ao MPF para apuração de responsabilidade criminal”, diz Silvia.
Flagrado na situação, o empregador firmou Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública da União, se comprometendo com o pagamento das verbas rescisórias e direitos trabalhistas aos resgatados, que também terão direito ao seguro-desemprego, no total de três parcelas de um salário mínimo.
Além disso, o TAC também prevê que o empregador se abstenha de manter empregados em condição degradante, admitir e mantê-los sem registro; assine a Carteira de Trabalho e Previdência Social no prazo de 5 dias úteis a contar do início da prestação dos serviços; e implemente ações de saúde e segurança para prevenção de acidentes e doenças do trabalho.
Ele também é obrigado a equipar o estabelecimento rural com material de primeiros socorros; fornecer água em condições higiênicas sem adoção de copo coletivo; disponibilizar local para refeições aos trabalhadores, bem como espaço adequado à preparação de alimentos, além de abrigos e instalações sanitárias nas frentes de trabalho, assim como os alojamentos dos trabalhadores m condições mínimas de saúde e segurança.
O GEFM atua em todo território nacional desde 1995, quando foi iniciada a política pública de combate ao trabalho escravo. Desde então, são mais de 55 mil trabalhadores e trabalhadoras resgatadas dessa condição e mais de 108 milhões de reais recebidos pelos trabalhadores a títulos de verbas salariais e rescisórias durante as operações. ( Do Ver-o-Fato, com informações da Auditoria Fiscal do Trabalho)
Os dados consolidados e detalhados das ações concluídas de combate ao trabalho escravo desde 1995 estão no Radar do Trabalho Escravo da SIT, no seguinte endereço: https://sit.trabalho.gov.br/radar .
Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas, de forma remota e sigilosa, no Sistema Ipê.
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