A sessão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Pará nesta terça-feira, 10, foi marcada por uma forte tensão e um confronto aberto entre magistrados. A juíza eleitoral Rosa de Fátima Navegantes de Oliveira, relatora do caso que envolve políticos de Concórdia do Pará, fez um voto decisivo que manteve as condenações contra Elias Guimarães Santiago, hoje deputado pelo PT e Elisangela Paiva Celestino, e determinou a realização de uma nova eleição para a prefeitura do município.
A decisão de Rosa Navegantes não apenas reafirmou a cassação dos mandatos e a inelegibilidade dos réus, mas também trouxe à tona um embate público com o juiz Rafael Fecury, que ainda divergiu do voto dela, apesar de ter retardado o julgamento por longos anos, haja vista que o processo corresponde às eleições de 2020.
Durante a sessão, Navegantes não poupou críticas a Fecury, exacerbando a frustração e a indignação até mesmo do presidente da sessão, desembargador Leonam Cruz, que visivelmente desconfortável, foi forçado a lidar com a tensão criada pela disputa entre seus colegas.
O momento decisivo chegou quando Rosa Navegantes apresentou seu voto, rejeitando as preliminares de nulidade da sentença e mantendo a decisão de primeira instância. Segundo a juíza, a conduta dos políticos condenados incluía práticas de abuso de poder e violação dos princípios da publicidade institucional, que foram amplamente discutidos durante o processo.
A condenação inclui a cassação dos diplomas, aplicação de multas e a sanção de inelegibilidade por oito anos.
Após o voto de Rosa Navegantes, o juiz José Maria Teixeira do Rosário, também desembargador, pediu vistas dos autos, interrompendo a votação dos demais integrantes da corte e adiando a decisão final. A solicitação de vistas atrasou ainda mais o desfecho do caso e gerou especulações sobre possíveis estratégias para prolongar o processo eleitoral.
A situação em Concórdia do Pará é crítica, com a administração local enfrentando sérias acusações e a necessidade urgente de uma nova eleição. A decisão da juíza Rosa Navegantes, ao manter as condenações e exigir a realização de uma nova eleição, visa restaurar a ordem e a legalidade no município. No entanto, a batalha judicial continua, com a expectativa de que a corte resolva a questão de forma definitiva em breve.
Enquanto isso, a comunidade local e os eleitores de Concórdia do Pará observam atentamente o desenrolar do caso, na esperança de que a justiça seja feita e que a crise política no município encontre uma resolução satisfatória.
Trechos do longo voto e fundamentado de Rosa Navegantes:
Preliminar de nulidade da sentença recorrida – Ausência de fundamentação quanto ao áudio
“Os recorrentes suscitaram essa preliminar pela primeira vez por ocasião de anterior recurso contra a primeira sentença. Já a primeira vez que a questão de áudio com a promotora de justiça surgiu, foi, atente-se, após a apresentação das alegações finais e após a manifestação final da Promotoria de Justiça em petição avulsa (as alegações finais dos suscitantes foram apresentadas em 29 de março de 2021; a petição com o áudio foi manejada em 20 de abril de 2021.
Na própria petição desarraigada do trâmite normal do processo, os então peticionantes e ora suscitantes afirmam que o áudio é de 7 de agosto de 2020 e estaria na posse da secretária de administração, mas, ainda assim, caracteriza como documento novo. A secretaria de administração, sabe-se, possui vínculo direto com o prefeito, que era o suscitante Elias Guimarães Santiago.
Basta essa pequena narrativa dos acontecimentos dos autos para a julgadora recear que tal petição avulsa não seria um caminho erroneamente escolhido pelos ora suscitantes para tumultuar o processo. Mas as circunstâncias não param por aí.
No recurso contra a primeira sentença, então, os ora suscitantes já suscitam a preliminar com esse tema misturado com outro relativo a momento processual diverso (acerca de falta de oitiva de testemunhas requeridas em contestação intempestiva) e requerem a anulação da sentença para reabertura da fase instrutória “analisando-se (se for o caso com a realização de perícia para atestar a sua fidedignidade e origem da i. Promotora de Justiça/Eleitoral de Concórdia enquanto autora do áudio […]”.
Sobrevém o Acórdão n. 33.092, ID 21077797, o qual julgou o primeiro recurso e a preliminar chamada de “preliminar de nulidade por ausência de oitiva de testemunhas”, – que incluía a questão do áudio – foi rejeitada por maioria. Ressalta-se que essa preliminar e mais duas foram rejeitadas, e uma última acolhida para anular a sentença por um motivo específico: a não manifestação da parte contrária sobre documentos juntados em alegações finais. A parte contrária aqui mencionada eram os ora suscitantes.
Os ora suscitantes embargaram contra o acórdão alegando omissão nele justamente quanto à “ausência de determinação quanto à indispensável abertura de prazo para manifestação acerca do áudio da promotora de justiça”.
Sobrevém então o decisório desta Corte sobre os embargos de declaração. No Acórdão n. 33.432, o relator o senhor então juiz Diogo Seixas Condurú fundamenta a rejeição dos embargos de declaração devido a que houve sim manifestação sobre o áudio ao incluí-lo nas provas que não foram determinantes para a sentença então anulada e, portanto, não estavam entre aquelas que deveria haver contraditório. Reproduzo trecho do acórdão:
[…] diferentemente dos documentos juntados, o mencionado áudio de whatsapp não foi determinante para o resultado do provimento jurisdicional de 1º grau, afastando a decretação de nulidade do ato ante a ausência de prejuízo para a parte (pas de nullitè sans grief), como preceitua o art. 219 do Código Eleitoral, pelo qual “na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo”.
Ademais, o acórdão embargado tratou da alegação da ausência de análise de áudio enviado pela Promotora Eleitoral de Concórdia, quando da apreciação da preliminar de nulidade por ausência de oitiva de testemunhas, na qual efetivamente arguida a questão no recurso, tendo sido rejeitada pela maioria desta Corte.
Como dito, os embargos foram rejeitados e, por maioria, ainda foi aplicada multa pelo caráter protelatório. O fato processual mais importante para solucionar esta preliminar, então, surgiu: os ora suscitantes interpuseram recurso especial tão somente para impugnar a multa aplicada, isto é, não se insurgiram contra a questão do áudio – a matéria, portanto, foi atingida pela preclusão máxima, em outras palavras, pela coisa julgada.
A coisa julgada se dá por preclusão consumativa. Deixa-se isso bem claro para que qualquer alegação de que se trata de matéria de ordem pública e, portanto, poderia ser alegada a qualquer tempo, seja utilizada como inibidora da formação da coisa julgada: a preclusão temporal, nestes casos, fica submetida à preclusão consumativa. Sobre isso, já se manifestou diversas vezes o Superior Tribunal de Justiça. Menciono como exemplos.
Isso posto, tendo em vista a coisa julgada e demais considerações, REJEITO a preliminar de nulidade da sentença suscitada por Elias Guimarães Santiago e Elisangela Paiva Celestino e, tendo em vista o agir processual de má-fé, aplico multa em 6 (seis) salários mínimos para cada um dos suscitantes”.
Preliminar de nulidade da sentença: Cerceamento do direito de defesa relativo a pedido de prova documental e pericial.
“Terceira e última preliminar suscitada pelos recorrentes possui a mesma sorte das anteriores. Houve coisa julgada pelos mesmos motivos e deve ser acrescida essa situação como litigância de má-fé. Apenas um ressalto que avulta na comprovação do comportamento desleal, além de todo o já apontado, a insistência dos recorrentes que vem desde a contestação apresentada intempestivamente, questão suscitada contra a primeira sentença, agora contra a segunda sentença em recurso suscitando matéria já acobertada pela preclusão máxima.
Isso posto, REJEITO a preliminar de nulidade da sentença suscitada por Elias Guimarães Santiago e Elisangela Paiva Celestino, acrescentando ainda mais esse fundamento para a aplicação da sanção por litigância de má-fé já aplicada nos capítulos anteriores”.
Publicidade institucional
“O recurso contra a sentença nesta ação de investigação judicial eleitoral visa a reformá-la sob duas questões, que, reconhecidas no decreto condenatório, levaram – ambas – à cassação da chapa, inelegibilidade e multa: 1. publicidade institucional violadora do princípio constitucional da impessoalidade com o reconhecimento do abuso de autoridade; 2 abuso de poder político pela gravidade da prática também reconhecida de conduta vedada pela contratação exacerbada e injustificada de servidores temporários próximo do período eleitoral. Ao fazer uso da teoria dos capítulos da sentença, abordam-se as questões com maior didática, apartando-as analiticamente.
A sentença de 1º grau entendeu com razão que a propaganda institucional veiculada no facebook da Prefeitura de Concórdia do Pará foi desvirtuada para propagandear a então chapa majoritária dos recorrentes e a figura do então prefeito.
Ao todo, esta relatoria contabilizou 29 (vinte e nove) publicações no facebook. A “pessoalidade” dessas postagens propagandísticas está – na grande maioria – na frase “Elias e Elisangela. Trabalho e Respeito pelo Povo!”. Há outras três que destacam a figura do prefeito como tal e apenas uma no ID 16225819, que difere um pouco, pois mostra a foto do então prefeito, parabenizando-o provavelmente pelo aniversário com os dizeres “Parabéns, Prefeito Elias Santiago! Concórdia do Pará abraça nesta data por cuidar tão bem do seu povo!”.
Reproduzem-se, porque são suficientes, cinco dessas postagens em quatro prints. Os dois primeiros prints possuem as características mais comuns já descritas e os demais são exemplificativas dos demais atributos:
A menção nominal ao dirigente da Prefeitura e a menção à vice-prefeita igualmente pelo nome – uma situação inusitada, já que propagandas institucionais, como é notório, não fazem menção a vices gestores -, são evidências descaradas de empreender em página oficial propaganda da chapa que pretendia a reeleição em Concórdia do Pará nas eleições de 2020. Outras demonstram evidente pessoalidade ao fazer exaltação da figura do prefeito.
A conclusão de prática ilícita sob a perspectiva da “pessoalidade” não leva, entretanto, à conclusão específica do ilícito objeto da Aije.
A decisão de cassação neste momento se dá em decorrência da demora do julgamento cujos autos estavam em poder de outro membro da Corte. Em razão da morosidade processual, houve requerimento da Procuradoria Regional Eleitoral que pediu providências céleres a Sua Excelência o senhor presidente deste Regional, que, por decisão, AVOCOU os presentes autos sendo esta relatora sorteada, conforme se vê da CERTIDAO inserta nos autos. Além de outros possíveis efeitos negativos na eficácia punitiva das sanções, a realização de nova eleição se dá na modalidade indireta, pois se está a menos de seis meses do final do mandato , conforme o § 4º do artigo 224 do Código Eleitoral.
Nesse caso, a Justiça Eleitoral não se ocupa da organização e controle dessa modalidade de pleito, por não ser matéria eleitoral, mas administrativa. Eventuais questionamentos sobre o procedimento serão de competência da Justiça Comum.
Isso posto, CONHEÇO do recurso interposto por Elias Guimarães Santiago e Elisângela Paiva Celestino e julgo-o PARCIALMENTE PROVIDO e as consequências são as seguintes:
- REFORMAR a sentença para absolver os recorrentes da imputação referente ao art. 74 da Lei n. 9.504/97 que trata de abuso de autoridade não demonstrado de forma objetiva consistente no uso excessivo do poder conferido ao agente público;
- MANTER a sentença condenatória de 1º grau com relação à aplicação de:
2.1. cassação do diploma dos recorrentes ELIAS GUIMARÃES SANTIAGO e ELISANGELA PAIVA CELESTINO (art. 22, XIV, da LC n. 64/90 e art. 73, § 5º, da Lei n. 9.504/97);
2.2. aplicação de multa de 50.000 Ufir para cada um dos recorrentes já nominados (art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97);
2.3. sanção de inelegibilidade para ambos os recorrentes ELIAS GUIMARAES SANTIAGO e ELISANGELA PAIVA CELESTINO cominando-lhes esta sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição que se verificou ano de 2020 (art. 22, XIV, da LC n. 64/90);
- DETERMINO à Câmara Municipal de Concórdia do Pará a adoção das providências legais e regimentais para, 3. imediatamente, realizar de maneira urgente a eleição na modalidade indireta, de acordo com o § 4º do artigo 224 do Código Eleitoral;
- DETERMINO a execução imediata deste julgado proferida pelo Órgão Colegiado deste Regional independentemente de publicação;
- Reitera-se a imposição de sanção por litigância de má-fé pelas três preliminares suscitadas e rejeitadas, no valor de 6 (seis) salários mínimos para cada um dos litigantes.
É o voto.
Belém, 10 de setembro de 2024.
Juíza ROSA DE FÁTIMA NAVEGANTES DE OLIVEIRA
Relatora”