Duas mulheres separadas por duas décadas de vida e por uma história marcada por dificuldades encontraram, no lugar menos esperado, uma ao outra. Cristiane Duarte da Silva e Vitória Duarte Machado criaram uma amizade em um abrigo para pessoas em situação de rua em Campinas (SP), sem saber que, na verdade, compartilhavam um laço de sangue: são mãe e filha.
A descoberta aconteceu de forma inesperada após Cristiane aparecer em uma reportagem da EPTV, afiliada da Rede Globo, exibida na segunda-feira (9) no G1. A matéria mostrava a formatura de pessoas em situação de rua que participaram de cursos profissionalizantes promovidos por uma ONG na cidade.
Vestida com beca e segurando o diploma, Cristiane fez parte da primeira turma formada pelos cursos de confeitaria, informática e elétrica. No evento, realizado na sexta-feira (6), suas lágrimas marcaram o momento de superação e emocionaram a todos. “É uma emoção. A gente faz o curso e acaba tendo um diploma. Nunca imaginei que isso poderia acontecer”, afirmou Cristiane na ocasião.
Foi por meio da reportagem que um tio de Vitória reconheceu Cristiane na televisão e entrou em contato com a jovem. “O meu tio falou que viu ela na TV. Aí mandou foto, vídeo, e mandou eu procurar ela por aqui, falou que ela estava aqui. Aí eu falei, ‘ela está no mesmo lugar que eu’, e fui procurar”, contou Vitória.
As duas estavam no mesmo abrigo, o Instituto Há Esperança. Cristiane frequenta o local há cerca de 20 anos; Vitória chegou há apenas dois meses. Mesmo convivendo e já amigas, não sabiam da conexão familiar até então.
A confirmação veio após um pedido de Vitória: ela tirou uma foto de Cristiane e enviou ao tio, que não teve dúvidas. Cristiane relembra: “Ela falou pra mim, ‘eu descobri três coisas sobre você’. Ela falou: ‘que você é a minha mãe, e que meu tio viu a reportagem na televisão e falou pra mim que você é a minha mãe. Aí ela tirou uma foto minha e o tio dela falou, ‘é essa mesmo’”.
A emoção tomou conta do abrigo. “Eu saí gritando, ‘achei, achei, achei!’. Aí o povo tudo sem entender nada, aí vem um menino ali e perguntou, ‘achou o quê’? Eu falei, ‘achei minha mãe!’”, narrou Vitória.
A coordenadora do Instituto Há Esperança, Roberta Dantas, testemunhou a emoção coletiva: “Eu trabalho com pessoas em situação de rua há mais de 15 anos, na área da assistência há mais de 25 anos, e a gente não tinha uma história dessa”.
Separadas por 20 anos
A separação entre mãe e filha durou duas décadas. Segundo Cristiane, diversos fatores contribuíram, como uso de drogas e conflitos familiares. “Um local onde eles moravam, a família deles disse que eles não moravam mais lá, eles tinham ido embora. Eu procurava, mandava carta ‘pra’ ela, e eu nunca recebia a resposta das cartas”, relatou.
Apesar da distância, Cristiane nunca deixou de se preocupar com a filha: “Todo dia à noite você dorme… Você não sabe se comeu, você não sabe se ‘tá’ bem, você não sabe se quem ‘tá’ tomando conta ‘tá’ judiando, sabe?”.
Mesmo antes da revelação, sinais do vínculo apareciam. “Eu cheguei a comentar com uma amiga minha, ‘a mesma cirurgia que essa menina tem na boca, a minha filha também tinha’. Eu fui pra pegar a fichinha do café da manhã e ela falou pra mim, com ‘a’ RG na mão, ‘você sabia que a minha mãe tem o mesmo nome que o seu’? Aí, quando eu fiquei sabendo que eu era mãe dela, pra mim foi um choque… de saber que eu conversava com a minha própria filha”, contou Cristiane.
Futuro e Esperança
Com a descoberta, mãe e filha agora sonham juntas. Cristiane quer trabalhar e reconstruir a família. “Trabalhar, né? É um cantinho pra gente ficar, porque na rua não dá pra ficar, não dá pra criar uma família na rua”, disse.
Ela também sonha em reencontrar os outros dois filhos. “É a Fernanda e o Juliano, meus dois filhos. Espero ver também, família inteira. Eu falava ‘pra’ Deus, ‘antes de eu morrer eu tenho que ver meus filhos’, porque senão eu não vou sossegar, graças a Deus”, concluiu, emocionada.
E o reencontro físico, depois de 20 anos? Vitória responde com simplicidade e profundidade: “É a melhor coisa do mundo”.