Aquela noite ecoou por duas décadas na vida de M, sobrepondo-lhe um peso na região cervical que ia curvando-a, formando uma corcova, apesar dos seus 37 anos. Quando a coisa aconteceu ela tinha 17 anos. Durante uma festinha na casa de amigos adolescentes puseram “boa noite, cinderela” no seu refrigerante e a estupraram.
Filha única, a mãe, viúva e beata, guardiã dos bons costumes, soube do caso três dias depois. A partir dali o inferno baixou naquela casa. A mãe, que já era travada, tornou-se ainda mais carrancuda e se fechou em um luto sem trégua.
M se graduou em Economia, passou em concurso para o Banco do Brasil e foi gerenciar uma agência no interior do Pará. Competente, tornou-se funcionária modelo. Vivia para o trabalho e para a mãe, que continuava mergulhada no drama de 20 anos atrás.
Muito bonita e assediada, M chegou a ter alguns namoricos, mas havia sempre um momento em que ela não podia ir adiante e então interrompia bruscamente o relacionamento. À medida que o tempo passava, o que sua mãe chamava de “pecado imperdoável” pesava mais e mais nas costas de M, que começou a sentir dores na coluna; as dores eram tantas que um médico lhe disse que ela sofria de fibromialgia.
Até que M encontrou um terapeuta em Medicina Tradicional Chinesa. Alguém, no trabalho, lhe dera uma revista chamada “Mulher Feliz”, publicada pela Seicho-No-Ie; ela leu a revista de capa a capa e gostou, e soube, pela colega que lhe dera a publicação, que havia um pequeno grupo de pessoas na cidade que se reunia para estudar a obra do fundador da Seicho-No-Ie, o filósofo japonês Masaharu Taniguchi. M atendeu ao convite da colega e foi à reunião, semanal, na casa de uma das participantes do grupo, e lá conheceu o terapeuta. Ela contou sobre as dores que sentia e ele a convidou para ir ao seu ambulatório no dia seguinte. Ela foi.
O terapeuta examinou a língua e auscultou os pulsos de M, e começou o tratamento com tuiná, a massagem terapêutica chinesa, aplicando uma série de manobras na cabeça da paciente e lhe massageando o peito na altura do timo. Depois, ela virou em decúbito ventral e ele a massageou e fez alongamento na sua região cervical.
Novamente em decúbito dorsal, o acupunturista começou a aplicação de agulhas: VG 20, Os Quatro Cavaleiros, Yintang, VC 17, PC 6 e R 9. M, que não vinha dormindo bem, caiu em sono profundo; 40 minutos depois o terapeuta a acordou.
Pesquisador de Medicina Vibracional, ele percebera, na noite anterior, que M estava seriamente atingida no seu corpo astral, o estado de consciência das emoções.
– Agora, que você está bem relaxada, podemos começar a anamnese. Você está emocionalmente tensa, e isso vem travando suas energias Yin e Yang, causando desequilíbrio, e dores, o que seu médico diagnosticou como fibromialgia. Precisamos identificar a origem dessa tensão; é ela que vem desequilibrando você; é a causa de todos os aborrecimentos que você enfrenta em casa e no trabalho. Precisamos encarar, de frente, esse… obstáculo, seja lá o que for. – O terapeuta fez uma pausa. – E então? – perguntou.
M começou a chorar. Chorou durante uns cinco minutos. O terapeuta parecia meditar enquanto ela chorava.
– Eu tinha 17 anos e cometi um pecado horrível; minha mãe disse que vou morrer pecadora e que vou para o inferno, porque, além do pecado original, ainda há esse outro que eu cometi – ela disse, em um arranco.
O terapeuta sorriu.
– Minha filha, ninguém é pecador, e não existe pecado original. Aliás, não existe pecado nenhum. Em a natureza, não há bem ou mal; nós é que qualificamos as coisas, os acontecimentos. Ninguém nasce pecador; pelo contrário, somos, todos, filhos de Deus. E se somos filhos de Deus, somos deuses também. O que ocorre é que muitos de nós ainda não manifestamos a luz, o mundo perfeito de Deus. Encarnamos na vibração da matéria para evoluir mais rapidamente, porque, aqui, os apelos e o apego são quase irresistíveis. Mas somos espíritos, nosso corpo original vibra em outra dimensão. Você nunca pecou; você apenas está acorrentada em certo momento do seu passado.
– Eu tinha 17 anos e fui a uma festinha na casa de um casal de coleguinhas; colocaram droga no meu refrigerante e me desvirginaram. Três dias depois minha mãe descobriu o que aconteceu e disse que eu estava perdida, e deixou de me amar, de me fazer carinho – disse isso e chorou de novo.
– Querida, o que é o hímen senão uma pelica? Quanto à opinião da sua mãe, trata-se de uma verdade apenas para ela, e cada qual tem seu estado de consciência, seu mundo, ou sua compreensão da vida. Nas suas orações, perdoe sua mãe, e a ame sempre; isso gerará luz, e a luz desata qualquer nó. O passado não existe, é uma ilusão. A menina desvirginada não existe mais; hoje, você é uma mulher, muito bonita, aliás, gerente de uma agência do Banco do Brasil, e que anda sobre suas próprias pernas. Sua mãe só ampliará a mente dela se você mudar a sua própria mente. Não mudamos as pessoas; o mundo muda quando nós mudamos. Sobre pecado original, isso é conversa fiada, ninguém peca por nascer; pelo contrário, nascer é um privilégio, a oportunidade de evoluirmos espiritualmente. Queime a ponte que leva ao passado, e você não poderá mais fazer essa viagem retroativa, e inútil.
O terapeuta fez uma pequena pausa e continuou a falar.
– Como queimar? Apenas pare de pensar nisso. Ao invés de pensar que é pecadora, conscientize-se de que você é filha de Deus, e de que todo o Universo depende de você, pois você, como todo mundo, é o centro do Universo. O Universo não é infinito? Pois bem, o infinito parte para todos os lados, e, se assim é, há sempre um centro, e você é o centro. Por isso, posicione-se na vertical, olhe para a frente, abra o peito para a vida, não se encolha mais, pois você, como todo mundo, é dona de todo o Universo, e tem o espaço infinito disponível para si mesma, sem tirar sequer um pedacinho do espaço alheio. Livre-se do tremendo peso que você carrega, e que nem existe. De manhã, quando fizer sua higiene e olhar pela primeira vez para o espelho, sorria, e diga que você é muito amada por você mesma.
Ela o olhou com os olhos brilhando.
– Nossa! O senhor tirou um peso das minhas costas que eu não estava mais suportando – disse, respirando profundamente, aliviada, sorridente. Pobre da minha mãe; sofreu tanto esses anos todos! Eu já a perdoei e vou pedir perdão a ela hoje mesmo!
Algum tempo depois, M deixou o Banco do Brasil, convidada para assumir um cargo de chefia em uma multinacional. Quanto à sua mãe, estava sorridente no casamento da sua amada filha.
O Universo é feito do que intuímos, e denominamos, de energia, que não pode ser criada nem destruída, mas apenas modificada, e que existe desde antes e existirá depois dos tempos. A energia se manifesta em campos vibracionais. Logo, nós, humanos, somos campos, ou corpos vibracionais. A mente é um conjunto de corpos vibracionais, entre os quais o corpo material, que vibra submetido a duas dimensões: espaço e tempo.
O espaço pode ser medido por altura, largura e espessura; e o tempo está relacionado às transformações que ocorrem a cada instante à matéria, até a dissolução do corpo físico em átomos.
Dependendo do estado de consciência do espírito, às vezes, ao desencarnar, ele fica preso ao corpo etéreo, até resolver pendências da vida material. E quando deixa o plano astral, ascende a orbe superior.
Enquanto mentes, encarnamos para evoluir, sair do estado de consciência material, imperfeito, e manifestar-se em um estado de consciência superior. Somos, por conseguinte, estados de consciência únicos, o núcleo do próprio Universo, que está sempre se expandindo para todos os lados, e para dentro também, manifestando a perfeição, o imutável, o eterno, o criador.
De modo que a existência material não passa de apego à matéria, que, como dizem os budistas, não existe de fato, esfarinha-se, muda a todo instante, até a morte física, quando tudo o que é material se dilui, desaparece. Assim, tudo o que é inerente à matéria, tempo e espaço, é sombra da mente. Logo, passado e futuro não existem. A eternidade, no mundo material, é agora.
Quando alguém se acorrenta ao passado, seja por nostalgia, seja por remorso, a vida não caminha; a energia vital, que os chineses chamam de Qi, empaca, o corpo astral se inflama, refletindo-se no corpo físico em doenças, acidentes, desemprego, pobreza financeira, dramas existenciais, tragédias, e atingindo, sempre, os filhos, e as pessoas amadas.
O que fazer, então? Arrepender-se do ato que o acorrentou ao passado, com o propósito de não mais o cometer, e não voltar a pensar no assunto.
Quanto ao futuro, também é ilusão. Não sabemos sequer se estaremos fisicamente vivos no momento seguinte. Assim, viver no futuro é um estado de consciência que os psicólogos chamam de ansiedade. Por exemplo: um estudante tem prova marcada para daqui a uma semana. Em vez de apenas estudar para a prova ele também passa a semana toda pensando na prova. Desse modo, ele se sentirá exausto no dia da prova, e sentirá um branco na memória, por conta do desgaste de ter passado a semana toda fazendo a prova, inclusive à noite.
A ansiedade, ou preocupação, depaupera seu meridiano energético do baço, que, segundo a Medicina Chinesa, produz sangue e governa os músculos; sem sangue tonificado não há repouso, e, sem tônus, os músculos murcham, gerando cansaço ao menor esforço.
Com efeito, não existe passado nem futuro; só há o agora, o momento mesmo da vida, que é eterno. Um exercício prático para vivermos o agora é a meditação. Pessoas ansiosas são atacadas por um cipoal de pensamentos o tempo todo, e muitos desses pensamentos são pura fantasia. A meditação dissipa os pensamentos, até chegar ao foco, e o foco é sempre agora.
A melhor meditação que eu conheço é a oração, porque ela nos conduz ao divino. E, durante a meditação, ou da oração, deve-se agradecer aos teus antepassados, especialmente aos pais, e a tudo o que somos, e ao que temos. A gratidão é uma vibração que nos harmoniza com o Universo.
Se o nó que o prende ao passado se formou de um erro cometido, ou do ressentimento que nutrimos contra alguém, devemos pedir perdão a esse alguém, e perdoá-lo. Se o nó surgiu da expectativa de possuir alguém por quem estamos apaixonados, mas que não corresponde a essa paixão, libertemos essa pessoa da mente. E pratiquemos, sempre, o bem. É assim que queimamos a ponte que leva ao passado e extinguimos o abismo do futuro.
É tiro e queda. A tristeza, gerada pelos erros do passado, desaparece; a ansiedade se esfuma; câncer murcha e some; e o riso volta a soar no jardim da vida, como rosa que se desnuda ao sol.
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