Texto de Jesiel Farias *
A cadeia produtiva do açaí movimenta a economia de Curralinho, município localizado ao sul da Ilha do Marajó, a 139 quilômetros da capital, Belém. Mais da metade dos mais de 34 mil habitantes moram em comunidades ribeirinhas. O rio Canaticu é o mais populoso e onde os peconheiros coletam o fruto para consumo e venda. Em 2016, o Instituto Peabiru e parcerias fizeram um estudo na localidade e constatou que a extração do produto é uma das atividades mais perigosas do Brasil.
Iracy Cerdeira, 53 anos, sofreu acidente na coleta do açaí quando tinha 28 anos. “Quando eu estava a dez metros do chão, a árvore quebrou. Quando virou, eu senti que quebrou minha coluna e aí paralisou minhas pernas. Fui atendida e depois fui pra Belém fazer cirurgia. Hoje, sinto minhas pernas, mas não consigo andar, pois não faço fisioterapia”, afirmou a moradora do rio Aramaquirí, afluente do Canaticu.
Na pesquisa do Instituto, 89% dos entrevistados disseram que alguém de sua família ou vizinho já sofreu um acidente de trabalho no açaizal (propriedade onde a palmeira açaizeiro é plantada). Morador do rio Sorva, afluente do Canaticu, Rosivaldo Furtado tem 42 anos e é outro exemplo de que não é difícil encontrar relatos sobre quedas. “Eu fui apanhar o açaí e a árvore não aguentou meu peso, fui ao chão e tive ferimentos na testa. Já caí duas vezes do açaizeiro. Na segunda, tive ferimentos leves”, afirma o extrativista que continua na atividade pela necessidade em garantir o sustento. Esses casos brandos geralmente são tratados em casa mesmo, pois as Unidades de Saúde do município ainda são insuficientes.
Picadas de insetos, espetadas nos olhos com a ponta de galhos e folhas, fraturas por conta de queda, escoriações pra descer do açaizeiro, corte nos braços pela faca, rasgadura, distensão muscular, são algumas sequelas deixadas pela coleta artesanal e onde consumo do açaí no dia a dia esconde esse grave problema.
Depois dos acidentes, as dificuldades para conseguir benefícios sociais aumentam devido à informalidade da atividade na relação de trabalho, pois não há vínculo empregatício e, mais difícil ainda, é encontrar dados sobre os acidentes.
Segundo a pesquisa do Peabiru, em 54% dos casos a consequência do acidente causou a internação do paciente. Depois de cirurgias ou melhora no quadro, alguns procuram atendimento no Centro de Reabilitação de Curralinho. Rosivaldo Pantoja, 34 anos, é outro ribeirinho que já sofreu queda da palmeira açaizeiro. “Eu fui apanhar o açaí e a árvore cedeu. Caí sentado, fui pra Belém e fiquei internado sofrendo dor. Melhorei e voltei para Curralinho. Hoje, faço sessões de fisioterapia para minimizar as dores na coluna”, afirma o peconheiro que continua na atividade por necessidade.
Na tentativa de mudar essa realidade, o mecânico Trajano José, de Tucuruí, sudeste do Pará, inventou a Colheitadeira de Açaí, uma máquina que dispensa a subida do apanhador até o cacho, evitando a queda repentina. O equipamento já foi testado pelos extrativistas de açaí do rio Canaticu, que não se acostumaram com a colheitadeira. Uma das reclamações é quanto à quantidade do fruto que é retirado, pois, com o equipamento, o volume de açaí colhido é muito menor comparado à subida ao método tradicional da coleta.
Segundo os próprios ribeirinhos da região, o peconheiro sobe numa touceira (conjunto de açaizeiros numa só raiz) e lá em cima se depara com outros cachos maduros. Aí é feito uma espécie de malabarismo, onde ele equilibra o corpo para alcançar outras árvores e retirar os cachos. Quando desce, já vem com vários cachos ao mesmo tempo em vez de um só. Isso permite mais volume de açaí em menos tempo. A máquina serve para pequenas quantidades de extração, que não é o caso dos peconheiros do rio Canaticu, que na safra, coletam toneladas do fruto todos os dias.
Garantir que a coleta do açaí em terras de várzea da Amazônia seja uma atividade menos perigosa continua sendo um desafio para a sociedade e o poder público.
- Jesiel Farias: Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para a obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, do Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade da Amazônia.
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