Mesmo proibido pela justiça federal do Rio Grande do Sul de representar qualquer entidade sindical da atividade pesqueira, Abraão Lincoln Ferreira da Cruz permaneceu na presidência da CBPA, roubou, mentiu, trapaceou e vai em cana
Brasília – Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, presidente da Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), foi preso em flagrante por falso testemunho ao final da 22ª Reunião da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS, ao término da oitiva na noite da segunda-feira (3). A prisão foi determinada pelo presidente da CPMI, senador Carlos Viana (Podemos-MG), sob acusação de o depoente ter negado e omitido a verdade, especialmente em relação a movimentações financeiras de R$ 221 milhões e à suposta tentativa de inclusão de 40 mil pessoas falecidas em descontos associativos.
A sessão, que se estendeu por 8h14, revelou um complexo emaranhado de transações e afiliações questionáveis, gerando indignação entre os parlamentares e culminando na drástica medida de prisão. O foco da investigação reside em “onde foram aplicados os mais de R$ 221 milhões retirados de aposentados e pensionistas”, conforme reiterado pelo relator, deputado federal Alfredo Gaspar (UNIÃO-AL).
Durante o depoimento, Abraão Lincoln, o “Careca da Pesca”, como foi apelidado pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES), afirmou possuir menos de 6% da visão, frequentemente recorreu ao direito de permanecer em silêncio ou alegou não se recordar de detalhes essenciais, apesar de ser o principal dirigente da entidade sob investigação, que gerou perplexidade geral por não possuir funcionários em seus quadros.
Sessão marcada por revelações e desafios regimentais
A pauta inicial discutiu a sugestão do deputado Zé Trovão (PL-SC) em concentrar as reuniões em dias consecutivos devido às sessões online da Câmara por conta da COP 30, visando otimizar a presença dos parlamentares. O presidente Viana, no entanto, informou que já estava definido que a CPMI se reuniria nos dias 17 e 18 de novembro e que sessões remotas não são permitidas pelo regimento. O senador Rogério Marinho (PL-RN) alertou sobre a sobrecarga das assessorias em caso de reuniões consecutivas, destacando a necessidade de tempo para a preparação dos depoimentos.
A disputa de sindicatos
Sob o guarda-chuva da Força Sindical, que disputa o protagonismo do sindicalismo brasileiro com o antagonista CUT, a CBPA (Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura) é um fenômeno, exemplo — do crime organizado — que se assentou na estrutura do Estado para roubar muito dinheiro impunemente por décadas.
Ao observar o histórico da testemunha que foi ouvida na CPMI do INSS, a sequência de absurdos praticados com a leniência das estruturas do governo de plantão, deslindam o tortuoso caminho do crime infiltrado nos Poderes da República, numa ampla rede organizada para assaltar o Estado.
Mesmo proibido pela justiça federal do Rio Grande do Sul de representar qualquer entidade sindical da atividade pesqueira, a CPMI tentou descobrir como Abraão Lincoln Ferreira da Cruz permaneceu na presidência da CBPA. Blindagem política? Corrupção de agentes públicos? Brechas legais? Ou tudo isso somado?
O depoimento de Abraão Lincoln: silêncios e contradições
Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, presidente da CBPA, iniciou seu depoimento apresentando a confederação como resultado de uma dissidência de 12 federações, que se tornou majoritária na pesca artesanal, contando agora com 21 federações e cerca de mil entidades de primeiro grau. Ele afirmou que a CBPA tem uma presença vasta no território nacional e que sua estrutura em Brasília é apenas de apoio.
O relator Alfredo Gaspar iniciou as inquirições questionando o passado do depoente, incluindo uma prisão em 2015 em Porto Alegre e acusações de corrupção, falsidade ideológica e crimes ambientais, conforme uma decisão judicial lida pelo relator.
Abraão Lincoln, o “Careca da Pesca”, optou em grande parte, permanecer em silêncio ou alegou não se recordar dos detalhes. Um ponto de tensão surgiu quando a defesa argumentou que o depoente deveria ser tratado como “investigado” e não como “testemunha”, levando a uma breve suspensão da sessão para consulta.
Fraudes e movimentações milionárias sob questionamento
A parte central do interrogatório focou nas acusações de fraude. O relator Alfredo Gaspar apresentou dados da Controladoria-Geral da União (CGU), Dataprev e INSS que indicam que a CBPA teria tentado incluir 40 mil pessoas falecidas em descontos associativos.
Além disso, foram detalhados números de afiliações que a CPMI considerou anômalos: em maio de 2023, quatro tentativas de inclusão; em junho, 64 mil cadastros; e em julho, 196.852 cadastros, com 190 mil aceitos, resultando em um sucesso de quase 97%. Entre 2023 e 2025, a CBPA teria acumulado 757 mil cadastros, totalizando R$ 221 milhões em descontos.
O depoente foi confrontado com o fato de que 215 mil associados (99,5% dos 216 mil casos apurados) não reconheceram os descontos, e a CBPA teria respondido a apenas 0,5% das contestações, o que o relator classificou como “admitindo a fraude e o crime”. Perguntado sobre a responsabilidade pela “falcatrua” e a sistemática por trás do salto de filiações, Abraão Lincoln reiterou seu silêncio.
Conforme a oitiva avançava, a situação do sindicalista se complicava. Outro ponto levantado foi a relação com diversas empresas e pessoas. O relator citou repasses de R$ 15 milhões para Titanium Pay e R$ 25 milhões para Plataforma Consultoria, ambas ligadas a Philippe André Lemos, que teria sido CEO do Terra Bank da Conafer, do dirigente-chefe Carlos Roberto Ferreira Lopes, o “Mão Preta do INSS”.
Também foram mencionados R$ 9 milhões para Prospect Consultoria, R$ 6 milhões para Brasília Consultoria e R$ 1,65 milhão para ACDS Call Center, todas empresas supostamente ligadas ao “Careca do INSS” (Antônio Carlos Camilo Antunes). O Presidente da CBPA permaneceu em silêncio quanto aos serviços prestados por essas empresas.
Conexões políticas e pessoais
As reuniões de Abraão Lincoln no Palácio do Planalto com a ministra Gleisi Hoffmann e com o ministro da Pesca foram mencionadas, onde ele tratou da Medida Provisória 1.303 (seguro-defeso). Parlamentares como Túlio Gadêlha (REDE-PE) e Padre João (PT-MG) foram citados como presentes em algumas dessas reuniões. Ele confirmou filiação ao partido Republicanos e ter sido candidato a deputado há oito anos.
Uma revelação de particular impacto ocorreu quando o deputado Duarte Jr. (PSB-MA), vice-presidente da CPMI do INSS, questionou a afirmação de Abraão Lincoln de ter uma relação “institucional” com o tesoureiro Gabriel Negreiros, apresentando evidências de que Negreiros é padrinho de seu neto e teria recebido R$ 5 milhões da CBPA. Diante da comprovação, Abraão Lincoln admitiu ser seu “compadre”, alegando um “lapso” ou confusão com o conceito de “parentesco”, desculpa classificada pelo parlamentares como cínica.
Ainda sobre as ligações políticas, o senador Paulo Pimenta (PT-RS) argumentou que o esquema de fraudes foi “herdado” do Governo Bolsonaro, citando a aprovação de um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) para a CBPA em 2020 durante o Governo Bolsonaro, sem associados e a Lei 14.441/2022, assinada por Jair Bolsonaro, Paulo Guedes e José Carlos Oliveira, que teria permitido a existência de duas confederações de pescadores, beneficiando a CBPA.
O senador Rogério Marinho (PL-RN) contestou a narrativa, afirmando que a medida provisória que gerou essa lei era “meritória” e que o “jabuti” foi inserido na tramitação parlamentar, sendo o relator na Câmara o deputado Silas Câmara (REPUBLICANOS-AM).
Vários parlamentares, incluindo a senadora Adriana Ventura (NOVO-SP), senador Magno Malta (PL-ES), deputado Kim Kataguiri (UNIÃO-SP), Coronel Chrisóstomo (PL-RO), e o deputado Styvenson Valentim (PSDB-RN), expressaram forte indignação com a postura do depoente e a dimensão das supostas fraudes.
O deputado Styvenson Valentim demonstrou que o aplicativo e o SAC da CBPA, pelos quais a entidade teria pago R$ 12 milhões, não funcionam, o que o depoente não conseguiu sequer justificar a razão.
Prisão e próximos passos
Após horas de depoimento e a análise das manifestações dos parlamentares, o presidente da CPMI, senador Carlos Viana, concluiu que Abraão Lincoln Ferreira da Cruz cometeu falso testemunho. Em sua declaração, Viana afirmou: “Os depoimentos estão encerrados. Em uma série de oportunidades, o depoente, estando na condição de testemunha, fez afirmação falsa, negou, calou a verdade. Diante do exposto, a Comissão, com fundamento no art. 58, §3º da Constituição Federal, determina a prisão em flagrante do Sr. Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, pelo crime próprio de falso testemunho, de que trata o inciso II do art. 4º da Lei 1.579, de 1952.”
O presidente Viana enfatizou que a prisão é “em nome dos aposentados, quase 240 mil que a CBPA enganou.” A Secretaria da CPMI e a Polícia foram instruídas a tomar as providências cabíveis.
A próxima reunião da CPMI está agendada para 7 de novembro, às 9h, no plenário, para a oitiva de Onyx Lorenzoni, ex-Ministro do Trabalho e Previdência do Governo Bolsonaro.
* Reportagem: Val-André Mutran (Brasília-DF), especial para o Portal Ver-o-Fato.















