Um documento raro, datado de 15 de outubro de 1833, mostra como a Justiça brasileira, no tempo do Império, reagia a crimes de estupro e tentativa de estupro. No caso, ocorrido na Vila de Porto da Folha, na então província de Sergipe, Manoel Duda foi condenado a uma pena extrema: castração pública, executada “a macete” — com instrumento cortante ou contundente — dentro da cadeia, e com divulgação da punição em editais espalhados por locais de grande circulação.
O crime, narrado na sentença preservada pelo Instituto Histórico de Alagoas, aconteceu quando a esposa de um homem chamado Xico Bento foi surpreendida por Manoel Duda, que saiu de uma moita e tentou violentá-la. A vítima reagiu, gritou e foi socorrida por dois homens, que prenderam o agressor em flagrante.
O juiz descreveu o réu como “perigoso” e “debochado”, citando ainda que ele já havia assediado outras mulheres da região.
A decisão judicial não apenas aplicou uma punição física irreversível, como fez questão de transformá-la em exemplo público, num tempo em que o castigo tinha também função de intimidação coletiva.
Hoje, quase dois séculos depois, o contraste é gritante. Em um país que registra mais de 60 mil estupros por ano — e onde especialistas estimam que apenas 10% dos casos chegam à polícia —, a punição raramente é rápida e exemplar.
Processos se arrastam por anos, sentenças podem ser revertidas em instâncias superiores e não são poucos os condenados que conseguem liberdade provisória.
O caso de 1833 revela um Brasil duro e violento também na aplicação da lei, mas levanta uma reflexão incômoda: entre a brutalidade do passado e a leniência de hoje, onde está o ponto de equilíbrio para garantir justiça real às vítimas e segurança à sociedade?
Sentença judicial datada de 1833, província de Sergipe, “ipsis litteris, ipsis verbis” – língua portuguesa arcaica.
O adjunto de promotor público, representando contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Nossa Senhora Sant’Ana, quando a mulher do Xico Bento ia para o jante, já perto dela, o supracitado cabra que estava de em uma moita de mato, saiu della de supetão e fez proposta à dita mulher, por que queria para coisa que não se pode trazer à lume, e como ela se recusasse, o dito cabra arrojou-lhe e derrubou-a no chão, deixando as encomendas della de fora a 30 passos dali. Ela não conseguiu matrimônio porque ela gritou e veio em amparo della Nocreto Correia e Norberto Barbosa, que prenderam o cujio em flagrante.
Considero:
Que o cabra Manoel Duda agrediu a mulher do Xico Bento para conxambrar com ela e fazer chum bregâncias, coisas que só o marido della compete conxambrar, porque casados pelo regime da Santa Igreja Catholica Romana;
Que o cabra Manoel Duda é um suplicante debochado que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quiz também fazer conxambranças com a Quitéria e Clarinha, moças donzellas;
Que Manoel Duda é um sujeito perigoso e que, não tiver uma cousa que atenua a pericanga delle, amanhã está metendo medo até nos homens.
Condeno:
O cabra Manoel Duda, pelo malefício que fez à mulher do Xico Bento, a ser CAPADO, captura que deverá ser feita a MACETE. A execução desta peça deverá ser feita na cadeia desta Villa. Nomeio carrasco e carcereiro. Cumpra-se e apregue-se editais nos lugares públicos.
Manoel Fernandes dos Santos
Juiz de Direito da Villa de Porto da Folha, Sergipe
15 de outubro de 1833
Fonte: Instituto Histórico de Alagoas















