Com placar expressivo, Legislativo dá recado ao governo sobre política de impostos e abre caminho para derrubar decreto que onera cidadãos e empresas
Brasília – A maioria dos deputados federais aprovaram na sessão deliberativa extraordinária desta segunda-feira (16), o Requerimento de Urgência nº 2.310, de 2025, referente ao Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 314, de 2025, que visa a sustar os efeitos do Decreto nº 12.499, de 11 de junho de 2025, o qual elevou as alíquotas do Imposto Sobre Operações Financeira (IOF). Concluída a votação, o placar do Plenário apontou que a matéria foi aprovada por uma margem expressiva de 346 votos a favor e 97 contra, um resultado que a oposição celebrou como uma vitória “esmagadora” e um “recado” claro ao governo. Após a votação do requerimento, os deputados votaram projetos que visam a proteção de grupos vulneráveis e a expansão de programas sociais.

Os deputados da oposição, como Cobalchini (MDB-SC), Bibo Nunes (PL-RS), Marangoni (UNIÃO-SP) e Luiz Lima (NOVO-RJ), criticaram veementemente o aumento do IOF, classificando-o como “abuso do poder regulamentar e um atropelo ao princípio da legalidade tributária” a sanha arrecadatória do governo.
Cobalchini alertou para o impacto financeiro estimado em R$ 19 bilhões em 2025 e R$ 39 bilhões em 2026, com alíquotas que “praticamente dobraram, passando de 1,88% ao ano para até 4%” e atingem diretamente micro e pequenos empreendedores. O aumento foi descrito como uma medida para “tapar o rombo da gastança deste desgoverno” e “onerando a população”.
Deputados também mencionaram que a medida afeta financiamentos imobiliários e do agronegócio, além de ser um custo para o trabalhador e o microempreendedor individual (MEI), cujas operações de até R$ 30 mil teriam um aumento de 0,88% para 1,95% no IOF, um acréscimo de 120%.
As críticas da oposição se estenderam ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o deputado Bibo Nunes (PL-RS) e o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES) ironizando suas férias em meio à “crise do aumento do IOF”, enquanto o deputado Marcel van Hattem (NOVO-RS) acusou o governo de usar o IOF para “tapar o rombo da gastança” e de desrespeitar o Poder Legislativo aumentando impostos via decreto presidencial.

Por outro lado, a bancada governista defendeu a medida como parte de um “ajuste fiscal” e “justiça fiscal”, argumentando que o IOF incide principalmente sobre “quem tem dinheiro, sobre quem pode mandar dinheiro para o exterior, sobre quem pode viajar para o exterior”. Em defesa do governo, o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) e a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) criticaram a “hipocrisia” da direita em defender isenções fiscais bilionárias para grandes corporações, enquanto se opõem a tributações que afetam o “andar de cima”. O Líder do Governo, José Guimarães (PT-CE), afirmou que a medida é uma “readequação e ajustes para fazer cumprir o arcabouço” e que “o compromisso da Oposição é com o andar de cima”, defendendo que o governo não cortará programas sociais como o Bolsa Família e o reajuste do salário mínimo.
O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou que “não havia cobrança de IOF para pessoa física” e que o aumento “pega o andar de cima” [os mais ricos], enquanto o Deputado Alencar Santana (PT-SP) argumentou que o aumento do IOF afeta quem compra “com cartão de crédito no exterior, quem faz remessa de dinheiro para o exterior” e que a oposição busca “sabotar o Governo Lula”.
Apesar da defesa governista, a aprovação da urgência para o PDL 314 indica a forte resistência do Congresso Nacional a aumentos de impostos via decreto presidencial, e a expectativa é que o mérito da matéria seja votado e aprovado em breve, derrubando o decreto do IOF que já está em vigor.
Repúdio a aumento de impostos
O placar da votação do requerimento de urgência demonstrou um amplo descontentamento com a política de aumento de impostos do governo. A oposição, que incluiu partidos como PL, União Brasil, Progressistas, PSD, Republicanos, PDT, PSDB/Cidadania e Podemos, uniu-se para aprovar a urgência, com o PL, por exemplo, orientando “sim” por ser “sempre contra aumento de impostos” e contra o que chamou de “desgoverno Lula”. Já as federações PT/PCdoB/PV, PSOL/Rede e o PSB orientaram “não”, argumentando que o IOF incide sobre operações financeiras e não sobre a maioria da população.

Após a votação, o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), disse que “conversou com alguns outros Líderes sobre a possibilidade de, no dia de amanhã [nesta terça-feira, 17], convocar uma reunião e consultar o Colégio de Líderes para que a gente possa — na impossibilidade de votar hoje — votar isso amanhã, haja vista a manifestação expressiva deste Plenário, que não vai tolerar mais aumento de impostos no Brasil”. Hugo Motta (REPUBLICANOS-PB), presidente da Casa, não se manifestou sobre o pedido.
Outros projetos
Além do IOF, a sessão avançou em pautas sociais importantes. O Projeto de Lei nº 4.626, de 2020, de autoria do deputado Helio Lopes (PL-RJ), que propõe o agravamento das penas para crimes de abandono de incapaz e maus-tratos, teve suas emendas do Senado Federal aprovadas. O deputado Dr. Frederico (PRD-MG), relator, explicou que a Emenda nº 1 “agrava as penas previstas para o crime de abandono de pessoa com deficiência”, especialmente em casos de lesão grave ou morte, visando fortalecer a proteção penal e alinhar a legislação com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (20:12). A Emenda nº 2 impede a aplicação dos institutos dos Juizados Especiais Criminais para crimes de “apreensão ilegal de crianças ou adolescentes”, garantindo que tais condutas “sejam tratados com o rigor processual adequado”.
A aprovação unânime deste projeto, com ampla manifestação de apoio dos deputados como Bibo Nunes (PL-RS) e Chico Alencar (PSOL-RJ), demonstra um consenso raro na Casa quanto à necessidade de proteção aos mais vulneráveis.
Outra aprovação significativa foi a do Projeto de Lei nº 2.215, de 2023, do deputado Pedro Campos (PSB-PE), que institui os Centros Comunitários da Paz (Compaz) em âmbito nacional. O projeto, que busca replicar a experiência exitosa de Recife, foi relatado pelo deputado Lucas Ramos (PSB-PE). Segundo o relatório, o Compaz tem como foco a “prevenção à violência, inclusão social e fortalecimento comunitário”, e em Recife, levou a uma “redução de crimes violentos letais intencionais [em] até 35%”.
Integrado ao Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), os Compaz oferecerão serviços sociais, psicológicos, jurídicos, atividades esportivas, culturais e educativas, além de programas de apoio à parentalidade e fortalecimento de vínculos familiares. Apesar das ressalvas do Deputado Bibo Nunes (PL-RS) sobre a federalização e a definição de “agentes socialmente atuantes”, o projeto foi aprovado com a maioria dos votos, inclusive do NOVO, que, apesar de algumas críticas, votou a favor, ressaltando o “bom” trabalho do Relator.
Imposto de renda e homenagens
A sessão também deu luz verde ao Requerimento de Urgência nº 2.303, de 2025, referente ao Projeto de Lei nº 2.692, de 2025, que altera os valores da tabela progressiva mensal do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física. Esta medida visa aliviar a carga tributária para os menores rendimentos, um ponto de convergência entre algumas bancadas. O deputado Marcel van Hattem (NOVO-RS), ao encaminhar o voto favorável, enfatizou o “compromisso desta Câmara também com o povo brasileiro” de “reduzir imposto, principalmente, para quem ganha menos”.
Em um momento de tensão simbólica, o Requerimento de Urgência nº 2.265, de 2025, que propõe alterar a denominação da Sala de Reunião do Colégio de Líderes para “Sala Miguel Arraes”, também foi aprovado. A Deputada Maria Arraes (SOLIDARIEDADE-PE) defendeu a homenagem, citando o “grande homem” e “líder socialista”, o pernambucano e ex-governador do Estado, Miguel Arraes, que “dedicou sua vida ao povo e atuou contra a ditadura militar, inspirando políticas públicas como o Farmácia Popular e o Luz para Todos.
A oposição, no entanto, manifestou forte desaprovação, com o deputado Bibo Nunes declarando oposição a qualquer “apologia ao comunismo” e se recusando a aceitar uma sala de líderes com o nome de um “prócer do comunismo”. A votação, embora aprovada, expôs as fissuras ideológicas e a dificuldade de consenso em temas simbólicos na Casa.
Sessão expõe ampliação da divisão no Congresso
A sessão da Câmara dos Deputados sublinhou a complexa dinâmica política brasileira, onde a polarização e as alianças são moldadas por questões econômicas e sociais de grande relevância. A aprovação da urgência do PDL do IOF sinaliza um Legislativo combativo e determinado a limitar o Poder Executivo em matéria tributária, colocando uma pressão considerável sobre a gestão fiscal do governo. A expectativa é que o mérito do PDL seja votado e aprovado nas próximas sessões, possivelmente forçando o governo a reavaliar sua estratégia de arrecadação.
Paralelamente, a aprovação de projetos como o que agrava penas para maus-tratos e o que institui o Compaz em nível nacional demonstra a capacidade do Congresso de alcançar consensos em pautas de grande apelo social, focadas na proteção de grupos vulneráveis e na promoção da segurança cidadã. A luz verde para o projeto de alteração da tabela do Imposto de Renda também indica uma possível frente de atuação para aliviar a carga tributária dos cidadãos de menor renda.
Arcabouço fiscal: um tiro no pé disparado pelo próprio governo
Instituído em agosto de 2023, o novo arcabouço fiscal substituiu o anterior “teto de gastos” com o objetivo central de garantir a sustentabilidade da dívida pública, ao mesmo tempo em que permite a expansão de despesas consideradas essenciais.
Entretanto, com a frustração de receitas previstas no Orçamento Geral da União, e sem controle dos gastos públicos, o governo expansionista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aprovou a estratégia montada pela equipe econômica comandada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o que acabou, dois anos e meio após ser implementado, num autêntico “tiro no pé” do próprio governo que, a curto prazo não te folga fiscal para atingir o parâmetro estabelecido para este ano.
A lógica do arcabouço está centrada em equilibrar despesas primárias com receitas preestabelecidas, permitir crescimento moderado dos gastos pelo critério de variação da arrecadação e assegurar metas progressivas de resultado primário. Na prática, no entanto, ele parece estar “agonizando” devido a um conjunto de problemas interligados, que o governo tem demonstrado não enfrentar, preferindo o impopular aumento de impostos. Tal opção explica a desaprovação recorde do governo em camadas da população que sempre apoiaram os governos petistas.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.