Projeto prevê até seis anos de prisão e multa rigorosa
Brasília – Em um movimento significativo para combater a escalada de crimes ambientais, especialmente os incêndios florestais que se espelharam pelo país em 2024, a Câmara dos Deputados aprovou na sessão deliberativa de segunda-feira (2), o Projeto de Lei 3.339/2024, de autoria do deputado federal Gervásio Maia (PSB-PB). O texto aprovado foi o substitutivo do deputado Patrus Ananias (PT-MG), que segue agora para o Senado, e propõe alterações substanciais nas Leis 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) e 12.651/2012 (Código Florestal), visando a um endurecimento das penas e a criação de novos mecanismos de responsabilização.
A aprovação ocorre em um cenário de preocupante aumento nos focos de incêndio causados por atos criminosos, cujas consequências além de prejuízos ambientais severos, infligem perdas materiais bilionárias nas áreas devastadas.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) revelam que, em 2024, 5,7 milhões de hectares foram consumidos pelo fogo, representando um aumento de 104% nos focos de incêndio, conforme detalhado na discussão da matéria em Plenário.
Principais Pontos da Nova Proposta
O Projeto de Lei 3339/2024, aprovado na forma de um substitutivo do relator, deputado Patrus Ananias (PT-MG), introduz diversas mudanças cruciais:
- Agravantes para Crimes Ambientais: A proposta inclui como circunstância agravante a prática de infrações que dificultem a plena prestação de serviços públicos, como queimadas que impeçam o trânsito em estradas ou o funcionamento de aeroportos. Além disso, as previsões sobre concurso de pessoas e respectivos agravantes do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940) passam a ser aplicadas à legislação ambiental, buscando responsabilizar também aqueles que promovem, organizam, coagem ou instigam a prática de crimes ambientais. Essas inclusões estão previstas no Art. 15 da Lei 9.605/1998, Art. 2º.
- Aumento de Penas para Incêndio e Poluição:
- A pena para o crime de provocar incêndio em floresta ou demais formas de vegetação (Art. 41 da Lei 9.605/1998) é elevada de reclusão de dois a quatro anos para três a seis anos, além de multa.
- Para o crime de poluição de qualquer natureza (Art. 54 da Lei 9.605/1998), as penas também são aumentadas, com o caput passando para reclusão de dois a seis anos e multa, e o §2º, que trata de condições agravantes como tornar uma área imprópria para ocupação humana, para reclusão de dois a sete anos.
- Em casos de incêndio culposo (negligente), a pena de detenção aumenta de seis meses a um ano para um a dois anos e multa.
- Proibição de Contratar com o Poder Público: Aquele que fizer uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares ficará proibido de contratar com o Poder Público, bem como de receber subsídios, subvenções ou doações provenientes da administração pública. Esta proibição terá duração de cinco anos após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, conforme o Art. 2º, que altera o Art. 38 da Lei 12.651/2012.
- Novos Agravantes Específicos: O projeto cria agravantes adicionais para o crime de incêndio, como a exposição a perigo da vida, integridade física ou patrimônio de outrem (aumento de 1/6 a 1/3 da pena), e a exposição a perigo iminente e direto da população e saúde pública em centros urbanos, ou o atingimento de unidades de conservação (aumento de 1/3 à metade da pena). A pena poderá ser dobrada se do crime resultar a morte de alguém.
Justificativas
A justificativa para as mudanças é clara: a necessidade de uma resposta mais rigorosa do Estado diante da gravidade dos crimes ambientais. O Deputado Gervásio Maia, autor do projeto, destaca que os incêndios florestais de agosto de 2024, muitos de origem criminosa, causaram prejuízos incalculáveis ao meio ambiente, ameaçando a biodiversidade, a saúde pública e a economia nacional. Maia citou um episódio no Pará conhecido como o trágico “Dia do Fogo” em 2019, que queimou cerca de 11.500 km² na Amazônia Legal, resultando na conversão de mais de 60% da área destruída em pastagem, transmitindo a “inadmissível mensagem de que o crime ambiental pode compensar”.
A proposta busca corrigir uma disparidade notável na legislação atual. A pena para “provocar incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação” (dois a quatro anos) é inferior à pena do Código Penal para “causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem” (três a seis anos). Para os proponentes, a defesa de direitos difusos, como o meio ambiente, que afetam toda a sociedade, deve ter rigor no mínimo semelhante, se não maior, ao que se observa na defesa de direitos individuais.
O deputado relator Patrus Ananias, enfatizou a importância da medida: “A continuidade dessas práticas, muitas vezes facilitada pela falta de punições mais eficazes, representa um desafio que precisa ser enfrentado com a colaboração de toda a sociedade e das autoridades públicas.” Ele acrescentou que o projeto “também contribui para o fortalecimento da proteção ambiental, defesa da fauna, flora e população brasileira e resguardo dos direitos fundamentais difusos.”
A deputada Erika Kokay (PT-DF) também se manifestou, afirmando que houve consenso na nova versão do texto para aumentar as penas em caso de incêndios de origem criminosa. “Essas queimadas têm um impacto imenso, mesmo em nossas existências.”
É importante notar que o projeto faz uma ressalva: a queima controlada ou seu uso tradicional e adaptativo, disciplinados na Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (Lei 14.944/2024), não se incluem nesse tipo penal, diferenciando práticas legítimas de atos criminosos.
Implicações potenciais e próximos passos
A aprovação deste projeto na Câmara dos Deputados representa um passo significativo na tentativa de coibir a impunidade e fortalecer a legislação ambiental brasileira. O aumento das penas e a inclusão de novos agravantes podem, em tese, atuar como um fator dissuasório mais eficaz contra a prática de incêndios criminosos e outras infrações ambientais. A proibição de acesso a recursos públicos para infratores é uma medida adicional que visa a desincentivar a conduta ilegal, cortando uma possível fonte de benefício para aqueles que causam danos ao meio ambiente.
No entanto, a efetividade da lei dependerá não apenas de sua aprovação final no Senado, mas também de sua rigorosa aplicação e fiscalização pelos órgãos competentes. A experiência do “Dia do Fogo” de 2019, onde a conversão de áreas queimadas em pastagens sugeriu que o crime “compensou”, ressalta a necessidade de uma persecução penal robusta e de ações integradas entre as diversas esferas do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA).
O debate sobre a proteção ambiental no Brasil continua, com outros projetos, como o PL 4000/2024 do Poder Executivo, também aguardando votação e propondo aumentos de penas para crimes ambientais contra unidades de conservação, terras devolutas, caça ilegal, poluição de águas e receptação de madeira ilegal. Embora alguns desses pontos não tenham sido incorporados ao PL 3339/2024, a discussão em torno de múltiplas propostas legislativas demonstra a urgência e a complexidade do tema.
A sociedade civil e as autoridades ambientais aguardam agora a tramitação do projeto no Senado, na expectativa de que as novas medidas contribuam efetivamente para a proteção dos biomas brasileiros e para a garantia de um direito difuso fundamental: um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.