As cinco filhas e herdeiras do banqueiro Aloysio Faria, falecido no final de 2020, querem vender três grandes empresas do grupo Alfa, as mais rentáveis: o próprio Banco Alfa, a C&C – ou Casa e Construção, uma rede de material de construção com 35 lojas espalhadas pelo país -, além da Agropalma, estabelecida no Pará e maior produtora de óleo de palma sustentável da América Latina, segundo a empresa se autointitula..
A notícia sobre a venda da Agropalma, publicada nesta semana em matéria do jornal Valor Econômico, do Grupo Globo, vai agitar o Pará e a região entre os municípios de Acará e Tailândia, onde a empresa é acusada pelo Ministério Público de grilagem de 106 mil hectares de terras públicas e privadas, além de possuir inúmeros problemas ambientais e sociais, principalmente com as comunidades quilombolas e ribeirinhas da região.
A matéria não diz quanto vale a Agropalma, apenas que a receita dela, ano passado, foi de R$ 2,3 bilhões. Uma fonte da empresa, pedindo reservas, disse ao Ver-o-Fato que, com o crescimento de suas exportações, a Agropalma estaria hoje valendo 1 bilhão de dólares, ou R$ 5 bilhões na bolsa internacional.
O valor pode ser exagerado. Contudo, no mundo dos negócios, quem está dentro do mercado é quem pode fazer melhor avaliação e definir o preço justo. As herdeiras Cláudia, Eliana, Flávia, Júnia e Lúcia – querem saber em quanto cada negócio do grupo é avaliado no mercado para depois estruturar a venda. Elas contrataram assessores financeiros para tratar disso.
O problema da empresa de dendê, porém, está nas irregularidades sobre as propriedades entre o Acara e Tailândia. A Justiça paraense já bloqueou e cancelou os registros de 58 mil hectares, boa parte pertencente à família Tabaranã, que mantém contra a Agropalma uma queda de braço judicial, vencendo todas as etapas até aqui da disputa.
Sucessão de fraudes, cartório fantasma
A Agropalma tem a posse, mas não é a dona das terras e pode ser despejada no julgamento do mérito na justiça caso perca definitivamente as áreas onde estão 35 mil hectares de plantações e outro 60 mil de cobertura florestal, além das instalações físicas e uma vila, a Palmares, onde residem os mais de 4 mil trabalhadores da empresa.
Para evitar a derrota judicial, ela se utiliza de manobras, chicanas e procrastinação, ingressando com recursos intermináveis. Até no STJ ela perdeu recurso em que pretendia levar a questão para uma briga entre particulares, deixando o interesse público de fora. Nessas batalhas judiciais, onde já perdeu todos os recursos para evitar o cancelamento das matrículas em cartório, a Agropalma ostenta um time de advogados entre os mais caros do país.
É fato que nenhum grupo interessado na compra da Agropalma irá fechar negócio sem antes verificar a documentação com a cadeia dominial das terras. É aí que mora o ´perigo para as herdeiras do Grupo Alfa.
Segundo a acusação do Ministério Público do Pará, a empresa teria praticado fraudes para se apropriar das terras, inclusive utilizando o notório cartório “fantasma” Oliveira Santos, cujas trapalhadas deram origem também a uma ação penal na Justiça Federal por estelionato e corrupção em que a Agropalma é ré, juntamente com a dona do cartório ilegal, um agrimensor e um servidor do Tribunal de Justiça sobre o qual pesa denúncia de recebimento de propina.
De acordo com a promotora de justiça Eliane Moreira, autora de uma das ações contra a empresa, parte do histórico de irregularidades alegadas na ação para cancelamento dos registros das áreas em cartório pode ser obtida na decisão monocrática de 30 de agosto de 2011 da então desembargadora Luzia Nadja Guimarães, na ação cível 2003.3.0013575.
Ela ressalta que as fraudes que macularam os registros constantes na origem dos títulos definitivos e das matrículas impugnadas, já foram reconhecidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará em demanda judicial de iniciativa do próprio Estado do Pará. A promotora salienta que mesmo com a decisão judicial de Luzia Nadja, se fez necessário o ajuizamento da ação de cancelamento das matrículas.
Isso ocorreu em razão de que, supervenientemente às fraudes decorrentes de ações demarcatórias ocorridas na década de 70, mas declaradas pelo Tribunal de Justiça somente em 2011, “foram expedidos títulos definitivos pelo Iterpa relativos às mesmas áreas sem a observância da legislação então vigente e abertos registros públicos nos cartórios de Acará e de Tailândia, os quais não foram diretamente alcançados pela decisão da desembargadora”.
Desse modo, diz ela, “tratando-se de nulidade de atos administrativos, quais sejam os títulos definitivos, e o cancelamento dos registros deles decorrentes, não tendo havido a anulação proveniente da autotutela administrativa, deve-se provocar o pronunciamento jurisdicional”.
Falcatrua transformou 2,6 mil hectares em 35 mil
Conforme constatou o Tribunal de Justiça do Pará, pessoas supostamente denominadas Jairo Mendes Sales e Eunice Ferraz Sales propuseram, perante a Pretoria de Acará, ações demarcatórias cujas sentenças homologatórias dos limites dos imóveis das referidas pessoas, registradas sob os números 3251 a 3255, foram publicadas no Diário Oficial de 04 de julho de 1974.
As sentenças proferidas na Pretoria de Acará aumentaram, em muitas vezes, a extensão das áreas transcritas em nome de Jairo Mendes Sales e Eunice Ferraz Sales, passando de 2.678 hectares para 35.000 hectares.
Desse modo, verifica-se que, em 10 de maio de 1975, Jairo Mendes Sales e outros venderam a José Miranda Cruz, Osvaldo Miranda Cruz, Vicente Miranda Cruz, Pedro Miranda Cruz Oliveira, Joaquim Miranda Cruz e Francisco Miranda Cruz, através de Escritura Pública de Compra e Venda lavrada no cartório de Acará, uma área de 35.000 ha.
Em seguida, Pedro Miranda de Oliveira e os demais teriam realizado promessa de compra e venda da área de 35.000 ha à José Roberto Barbosa e Antônio Barbosa Vilhena pelo valor de 40 milhões de cruzeiros.
Verificando, porém, a inexistência de domínio, a necessidade de legitimação dos títulos originários e a disparidade entre a área dos títulos com as demarcações realizadas em juízo, os compradores propuseram ação judicial para a rescisão contratual, na qual o Estado do Pará, representado pelo Iterpa, teria figurado como litisconsorte ativo, reivindicando as áreas para o patrimônio estadual.
Por sentença de 02 de julho de 1979, os pedidos foram julgados procedentes para decretar a rescisão da promessa de compra e venda, a restituição do sinal em dobro, a nulidade da demarcatória e o cancelamento de registros imobiliários.
Mesmo com títulos Não foram apresentados títulos de propriedade hábeis a demonstrar o domínio das terras e, portanto, a legitimidade do autor em pleitear a homologação da demarcação das terras, de modo que os títulos de posse na época existentes não haviam sido submetidos ao necessário processo de legitimação.
Em 2009, os registros foram bloqueados por decisão em ação cível. Apesar disso, em 2010, as 12 matrículas das áreas decorrentes dos títulos expedidos pelo Iterpa teriam sido transferidas do cartório de Acará para o cartório de Tailândia.
Para a promotora, o caso se encontra dentro de um conjunto maior de investigações de irregularidades em registros da empresa Agropalma, objeto do inquérito civil no 000628-040/2016, já tendo sido proposta ação civil pública referente às Fazendas Roda de Fogo e Castanheira (processo 0803639-54.2018.814.0015), e agora a ação referente à Fazenda Porto Alto.
Inexistência de direito legítimo pela Agropalma
De acordo com a promotora, isto “demonstra um reiterado envolvimento da empresa em condutas fraudulentas relativas ao patrimônio público e ao sistema registral, bem como a inércia do Estado do Pará e do Iterpa em, mesmo após requererem o cancelamento de registros perante o TJPA, adotarem condutas que violam o patrimônio fundiário estadual em razão da expedição de títulos nulos e de não tomarem providências para a retomada das terras”.
A procedência dos pedidos da atual ação civil pública culminará no reconhecimento de inexistência de qualquer direito legítimo de propriedade da Agropalma sobre as áreas objeto das matrículas ora impugnadas, aponta a promotora.
Desse modo, a inexistência de propriedade válida repercute nos ativos da empresa, de forma que os imóveis em questão devem ser retirados de seu balanço patrimonial a fim de que não induzam os acionistas a erros, imaginando que estes bens integrariam o patrimônio da empresa quando, na realidade, são terras públicas.
O juiz da Vara Agrária de Castanhal, André Filo-Creão Garcia da Fonseca, em duas ações de bloqueio e cancelamento, acolheu os pedidos do MP e tornou inválidas as matrículas. Resumindo: com base no que a Justiça já decidiu, os papéis que a Agropalma mantém há anos sobre a alegada propriedade das terras não valem um tostão furado.
VEJA A MATÉRIA DO VALOR ECONÕMICO SOBRE A VENDA DAS EMPRESAS
“As herdeiras do banqueiro Aloysio Faria, que morreu em 2020, aos 99 anos, contrataram assessores financeiros para a venda dos três maiores negócios do empresário: Banco Alfa, C&C (rede de material de construção Casa e Construção) e Agropalma (óleo de palma). O Valor apurou que as conversas envolvendo o interesse de instituições financeiras no Alfa são as que estão mais avançadas.
O Alfa atraiu a atenção dos bancos BTG Pactual, Safra, Master, Daycoval, BR Partners e Inter, segundo fontes a par do assunto. No domingo, o colunista Lauro Jardim, de “O Globo”, antecipou que o BTG estava avaliando a compra do banco. O Rothschild assessora as herdeiras na operação.
O maior interesse dessas instituições financeiras é na carteira corporativa e de private banking do Alfa. Fontes afirmam que BTG e Safra seriam os candidatos mais fortes. Os outros chegaram a olhar a operação, mas não seguiram adiante com as conversas porque não conseguiram encontrar sinergias suficientes e também por vislumbrarem eventuais problemas societários na venda.
Uma fonte ligada às herdeiras disse ao Valor que as filhas do banqueiro – Cláudia, Eliana, Flávia, Júnia e Lúcia – querem saber em quanto cada negócio do grupo é avaliado no mercado para depois estruturar uma venda. “São cinco herdeiras e cada uma pode querer uma coisa. Ou pode, entre elas, ter o interesse de comprar a participação da outra”, afirmou essa pessoa. Não há pressa em vender os negócios da família, acrescentou o interlocutor. Também não há acordo de exclusividade para a venda do banco.
Cada uma das filhas herdou 20% dos negócios de Aloysio Faria. No banco Alfa, as filhas fazem parte do grupo de controle, com mais de 80% das ações ordinárias (com direito a voto). Ainda não está claro qual seria o valor do conglomerado financeiro. Listado em bolsa, o Banco Alfa de Investimento tem uma liquidez baixíssima. Na quinta-feira, fechou avaliado em R$ 824,6 milhões – o valor subiu 24,4% desde segunda-feira, com a notícia de que poderia ser vendido, segundo o Valor Data. “Embora o acionista controlador esteja sempre aberto a considerar operações estratégicas, não há nenhum entendimento ou documento obrigando a realização de qualquer operação”, disse o Alfa quando a Comissão de Valores Mobiliários o questionou sobre a oscilação dos papéis.
Fontes de mercado relatam que a carteira do Alfa é saudável, mas a operação ainda é basicamente analógica e não acompanhou o processo de digitalização vivido pelo setor nos últimos anos. O patrimônio líquido, que pode ser usado como um referencial no caso de venda, é de R$ 1,6 bilhão. “É uma instituição bem arrumada, não tem problemas, mas a rentabilidade está muito baixa. Muita gente olhou, mas poucos se interessaram de fato, por conta das eventuais sinergias e das questões societárias. Só faz sentido vender tudo em bloco. Se forem tentar desmembrar, não vão capturar valor”, diz um interlocutor.
Desde o ano passado, as filhas de Aloysio Faria se estruturaram em conselhos de acionistas para entender os negócios criados pelo banqueiro, uma orientação que foi dado pelo próprio pai. No mercado financeiro, Faria era conhecido pela gestão centralizadora – participava de todas as principais decisões de seus negócios e tinha poucos executivos – os “pratas da casa” – em sua relação de confiança.
Filho de banqueiro, Faria criou em mais de 70 anos de sua vida empresarial um conglomerado de negócios que atua em diversos setores, além do financeiro. Além do Alfa, da rede de materiais de construção C&C e da empresa de agronegócios Agropalma, fazem parte do grupo a rede de hotéis Transamérica, emissoras de rádio, teatro Alfa, a fabricante de água mineral Águas Prata e a sorveteria La Basque – essa última era um capricho de Faria, que adorava sorvetes.
Por enquanto, apenas três desses negócios estão com assessores financeiros para potencial venda. C&C e Agropalma iniciaram o processo recentemente. Com 35 lojas e faturamento de R$ 1,5 bilhão em 2020, a C&C passou por recente reestruturação financeira. Líder em óleo de palma no país, a Agropalma anunciou este ano um projeto para ampliar em 50% sua produção nos próximos cinco anos. Em 2021, a receita da empresa foi de R$ 2,3 bilhões – a companhia fabrica entre 160 mil e 170 mil toneladas por ano, destinadas à indústria de alimentos, ao food service e ao segmento de cosméticos.
A rede hoteleira, que inclui o hotel de Comandatuba, na Bahia, e o negócio de eventos Expo CenterTransamérica, não incluídos neste pacote de vendas, foi afetada pela pandemia da covid-19.
Desde a morte do banqueiro, bancos de investimentos começaram a abordar as herdeiras para entender se elas estavam dispostas a vender os negócios. Faria morreu em setembro de 2020 – sua fortuna era estimada em US$ 1,7 bilhão pela revista Forbes.
Quem era o banqueiro Aloysio Faria (1920-2020)
Aloysio Faria, o mais discreto e um dos mais inovadores banqueiros brasileiros, morreu em 15 de setembro de 2020, aos 99 anos. Com raríssimas aparições públicas e sempre cercado por uma aura de mistério, o mineiro de Belo Horizonte construiu um conglomerado que inclui o Banco Alfa, a rede de materiais de construção C&C, os hotéis Transamérica, a Águas da Prata, entre outras empresas dos mais diversos setores.
Mas foi no Banco Real que deixou sua marca mais conhecida e onde fez grande parte de sua fortuna. Em 1998, vendeu o negócio ao ABN Amro e recebeu à vista US$ 2,1 bilhões, em uma das maiores transações do setor financeiro no país até então. Na sequência, o Real foi adquirido pelo Santander Brasil, num dos passos mais relevante para o grupo espanhol no Brasil.
Nos 20 anos anteriores à sua morte, Faria já não estava mais na gestão diária dos negócios, mas nunca deixou de acompanhar de perto as empresas do grupo. Nas últimas décadas, se tornou figura constante na lista dos brasileiros mais ricos do mundo. Conforme levantamento da revista americana norte americana Forbes.
O grupo Alfa
A Alfa Holdings congrega os ativos financeiros do grupo, como banco de investimento, seguradora, financeira, administradora de consórcio, entre outros. O mais importante é o Banco Alfa de Investimento, com R$ 24,539 bilhões em ativos, carteira de R$ 9,224 bilhões e foco em grandes empresas dos setores de indústria e comércio, além de garantias prestadas.
O Alfa atua no segmento corporativo, atendendo grandes empresas, e nos segmentos de banco de investimentos e administração de fortunas. Já com a financeira, oferece crédito consignado e financiamento automotivo, entre outras linhas.
No Alfa Banco de Investimento, a família Faria detém 64,8% do capital total. Outros acionistas importantes são o fundo Alaska, com 12,6%, e Mário Slerca Junior, com 7,0%. Procurados, eles não quiseram se manifestar.
Dona de uma participação em torno de 2,5% do capital do Real na época em que o banco foi vendido para o ABN, a família Slerca travou uma briga de quase duas décadas na Justiça para ser ressarcida por supostos prejuízos causados na venda do controle do banco aos holandeses por Faria. No fim, acabou perdendo no STJ e decidiu que não valia a pena tentar seguir com o caso para o STF. Na época, não havia a obrigatoriedade do “tag along”, pela qual os acionistas minoritários têm hoje o direito de receber no mínimo 80% do valor pago por papel ordinário.
Procurado, o Alfa informou que não tem nada a declarar. BTG, Safra, Rothschild, Master, Inter, BR Partners e Daycoval também não se manifestaram sobre o assunto”.