A crescente atuação de organizações criminosas nos bairros de Belém e Ananindeua expõe uma realidade alarmante e exige uma resposta firme e imediata das autoridades estaduais e federais. O recente desabafo do procurador de Justiça Cível, Waldir Macieira, durante a última sessão do Colégio de Procuradores do Ministério Público do Pará, escancara a dimensão do problema: facções criminosas não apenas controlam amplas áreas urbanas, como também impõem o medo e subjugam uma população de mais de 2 milhões de habitantes.
O relato de Macieira ao procurador-geral de Justiça, César Mattar, aponta para um cenário no qual tanto moradores quanto empresários são diariamente ameaçados e extorquidos. Com a segurança pública falhando em garantir proteção, especialmente nas periferias, facções estão cobrando uma espécie de “pedágio” em troca de uma falsa sensação de segurança.
E mais grave: até mesmo candidatos políticos, nas recentes eleições, teriam sido obrigados a pagar tais taxas para circular em determinadas áreas, como ocorre em alguns bairros, no distrito de Icoaraci e no município de Ananindeua.
Essa situação de descontrole é evidenciada pelo episódio recente no bairro do Tapanã, em Belém, onde criminosos incendiaram um caminhão de uma empresa local por recusa em pagar a “taxa do crime”. O ataque, que gerou um prejuízo inicial de R$ 100 mil à empresa, reflete o modus operandi das facções que dominam a região.
A empresa, como tantas outras, agora tenta se proteger de um cenário onde o crime parece dominar o que deveria ser papel do Estado: garantir a segurança de seus cidadãos e do setor produtivo.
Outro episódio perturbador foi a denúncia feita pelo Cabo Torres, da ativa da PM, que em campanha por Icoaraci criticou a domínio do Comando Vermelho, que cobrava R$ 50 mil para candidatos poder entrar em áreas “vermelhas” controladas pela facção.
Os procuradores de justiça Ricardo Albuquerque e Francisco Barbosa também abordaram o assunto, concordando com Macieira e enfatizando a necessidade de o MP se integrar com mais afinco nesse esforço para o combate às facções que apavoram as duas cidades mais importantes do Pará. “A violência está grande em Belém, eu moro em Nazaré e todo dia tem assalto contra moças, senhoras e idosos”, resumiu Albuquerque, dizendo que se precisar visitar um parente em algum bairro mais distante não terá que se submeter ao crime organizado.
Hora de agir
Não há espaço para hesitação. A gravidade da situação exige uma ação imediata e integrada das forças de segurança e de todas as instituições competentes, incluindo o próprio Ministério Público, como defendido pelo procurador Macieira. Ele alerta que o Pará pode seguir o caminho trágico já trilhado por países como Colômbia e México, onde o narcotráfico se infiltrou nas estruturas sociais e políticas.
As denúncias de que candidatos estão sendo financiados por facções criminosas são extremamente preocupantes e demandam investigação urgente. Permitir que o crime organizado avance para o campo político representa uma ameaça direta à democracia e ao Estado de Direito. Se medidas enérgicas não forem tomadas agora, corremos o risco de consolidar um cenário de impunidade e violência que será muito mais difícil de reverter.
A resposta precisa ser à altura do desafio. Não é aceitável que facções imponham seu domínio sobre bairros inteiros, desafiando a autoridade do Estado e criando um regime paralelo de extorsão e medo. As autoridades não podem mais adiar a criação de uma força-tarefa nacional, com envolvimento das esferas estadual e federal, para enfrentar essa ameaça com todo o rigor da lei. O momento de agir é agora.
Para que um trabalho conjunto entre as forças de segurança do Estado e da União seja eficaz no combate às facções criminosas e liberte a população de Belém e Ananindeua do domínio dessas organizações, é necessário um conjunto de ações estratégicas, coordenadas e sustentadas a longo prazo. ]
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Aqui estão, abaixo, os principais passos que precisam ser seguidos para garantir resultados benéficos contra o crime organizado em Belém e Ananindeua:
Criação de uma força-tarefa interinstitucional
Integração entre instituições: A união das forças policiais estaduais (Polícia Civil e Militar) com órgãos federais (Polícia Federal, Força Nacional e Exército, se necessário) é essencial. Essa integração precisa ser coordenada e contar com representantes de todos os níveis de governo — municipal, estadual e federal — para garantir que não haja sobreposição de esforços ou falhas de comunicação.
Inteligência compartilhada: Um sistema de informações unificado e eficaz é necessário para monitorar as atividades das facções. O uso de inteligência integrada permitirá identificar líderes criminosos, rotas de drogas, pontos de extorsão e lavagem de dinheiro.
Investimentos em inteligência e tecnologia
Monitoramento constante: Investir em tecnologias avançadas de vigilância e monitoramento, como câmeras de segurança de alta precisão, drones, interceptação de comunicações e sistemas de análise de dados, para antecipar ações criminosas e reagir de forma rápida e precisa.
Sistemas de denúncias anônimas: A criação e o fortalecimento de canais para que a população denuncie crimes de maneira segura e anônima são fundamentais. Isso inclui linhas diretas, aplicativos e campanhas de conscientização que garantam a confiança da comunidade.
Presença policial ostensiva e constante
Reocupação de territórios: A presença contínua das forças de segurança em áreas dominadas por facções é essencial. Policiamento ostensivo e de proximidade deve ser implementado em bairros mais vulneráveis, garantindo que a presença do Estado seja sentida pela população e pelos criminosos.
Bases móveis de segurança: Criação de bases móveis e temporárias em áreas críticas, com patrulhamento constante. Isso evita que as facções se reagrupem ou reorganizem suas operações após uma operação policial inicial.
Combate ao financiamento das facções
Estrangulamento das finanças criminosas: É crucial que as autoridades mapeiem e desarticulem as fontes de financiamento das facções, que incluem extorsão, tráfico de drogas, e lavagem de dinheiro. A atuação conjunta entre o Ministério Público, a Receita Federal e órgãos de fiscalização financeira deve garantir que os recursos ilícitos dessas organizações sejam bloqueados e seus bens confiscados.
Identificação e punição de cúmplices financeiros: Identificar empresários, políticos ou agentes públicos que financiam ou são coniventes com as atividades criminosas é essencial para cortar o fluxo de dinheiro e apoio.
Apoio jurídico e fortalecimento institucional
Agilidade no Judiciário: Aceleramento dos processos judiciais contra membros de facções criminosas e a garantia de que as leis de combate ao crime organizado sejam aplicadas de forma eficaz. Isso inclui penas rigorosas para líderes de facções e proteção a testemunhas que auxiliem nas investigações.
Cooperação entre os poderes: O Poder Judiciário, o Ministério Público e as forças de segurança devem trabalhar em conjunto para que os criminosos sejam julgados e condenados sem entraves burocráticos.
Investimento em políticas sociais
Prevenção ao recrutamento de jovens: As facções costumam recrutar jovens de áreas vulneráveis, oferecendo uma falsa promessa de poder e dinheiro fácil. Para impedir que isso continue, é necessário investir em programas sociais, como educação de qualidade, qualificação profissional, esportes e cultura, além de gerar empregos nessas áreas.
Fortalecimento da rede de proteção social: A oferta de serviços de saúde, educação e lazer deve ser ampliada nessas comunidades, mostrando que o Estado está presente não apenas com a força, mas também com a provisão de direitos básicos.
Reforço na segurança dos comerciantes e empresas
Proteção ao setor produtivo: Empresas que operam em áreas de risco devem ter garantias de segurança reforçadas, com policiamento especializado e esquemas de proteção que permitam sua continuidade. Parcerias público-privadas podem ser firmadas para proteger negócios de extorsões, impedindo que o crime enfraqueça a economia local.
Suporte a pequenas e médias empresas: A criação de linhas de crédito ou incentivos fiscais para pequenos negócios que se veem ameaçados por facções pode ajudar a aliviar o peso do “pedágio” criminoso e estimular a resistência ao crime.
Apoio à população ameaçada
Programas de proteção e reassentamento: Para moradores diretamente ameaçados, programas de proteção e, em casos extremos, reassentamento em áreas mais seguras podem ser criados. Testemunhas ou vítimas devem contar com proteção adequada para se sentirem seguras ao denunciar atividades criminosas.
Campanhas de conscientização e apoio comunitário
Mobilização social: Promover campanhas educativas e de conscientização nas comunidades, incentivando a população a colaborar com as autoridades sem medo de represálias. Programas de apoio psicológico para famílias afetadas pela violência também devem ser implementados.
Fortalecimento das associações de moradores: Associações locais de moradores podem ser parceiras estratégicas das autoridades, ajudando a identificar problemas e sugerir soluções com base nas necessidades e realidades das comunidades.
Monitoramento e avaliação contínua
Indicadores de desempenho: É necessário criar indicadores claros e transparentes para medir o impacto das operações de segurança, como a redução de crimes violentos, a prisão de líderes criminosos e a desarticulação de redes de financiamento do crime.
Ajustes contínuos: As operações devem ser revisadas e ajustadas regularmente com base nos resultados obtidos. Isso garante que as estratégias permaneçam eficazes e adaptadas às mudanças nas táticas das facções criminosas.
A solução para o problema do crime organizado em Belém e Ananindeua passa por uma ação coordenada e eficiente das forças de segurança, apoiada por instituições jurídicas, sociais e econômicas. Com uma resposta estratégica e integrada, que combine inteligência, presença ostensiva e proteção social, é possível restabelecer a ordem, devolver a segurança à população e romper com o ciclo de violência imposto pelas facções criminosas.