Supermercados Mateus, Líder, Formosa, Nazaré e Portugal respondem a processo desde 2020 que pode prescrever se mérito não for julgado. MP precisa agir
No começo da pandemia de covid-19, em 2020, enquanto no Pará as pessoas começavam a ficar doentes e a morrer, nos casos mais graves, uma onda de pânico e medo tomou conta da população. Os hospitais fechavam as portas, superlotados, diante da falta leitos, UTIs, respiradores e medicamentos adequados para tratar uma doença desconhecida e fatal. A propaganda nas TVs, rádios, jornais e nas redes sociais, seguindo orientações médicas, recomendava à população o uso de máscaras e de álcool em gel.
No caso do álcool em gel, entrou em campo, atropelando as dores, angústias e sofrimentos do povo paraense, a ganância de comerciantes, sobretudo de supermercadistas, que arrepiaram nos preços, cobrando abusivamente valores diferentes em estabelecimentos, alguns deles bem próximos um do outro.
As denúncias pipocaram, forçando o Procon e o Ministério Público a irem às ruas, fiscalizar o autêntico assalto contra o bolso dos consumidores. No dia 13 de março de 2020, o Procon, hoje pouco afeito a essas fiscalizações, autuou um estabelecimento comercial, no município de Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém, flagrado na prática de preço abusivo na venda de álcool em gel 70.
Para se ter uma ideia da roubalheira, 1 litro de álcool em gel estava à venda pelo valor de R$ 46,40, bem acima do comercializado no mês de janeiro, quando custava R$ 17,99. O galão de álcool de 5 litros, que em janeiro custava R$ R$ 76,90, passou para R$ 142,26 em março. Quase o dobro. Em Belém, não era diferente. Supermercados, na cara de pau, também cobravam preços elevados. A população reclamava e cobrava providências das autoridades.
No dia 17 de março, quatro dias depois da autuação do estabelecimento de Ananindeua, o governador Helder Barbalho esteve reunido com o pessoal do Programa de Defesa do Consumidor (Procon), Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), representantes de redes atacadistas e varejistas, tais como Associação Paraense de Supermercados (Aspas) e uma rede nacional de farmácias dona de 38 estabelecimentos no Estado.
Helder foi taxativo aos participantes da tal reunião: “são ações que estamos fazendo para assegurar a oferta dos produtos e também garantir que os preços não estejam sendo elevados, prejudicando a população. Teremos que tomar uma medida drástica de restringir a aquisição por pessoa deste quantitativo. Junto com isto, garantir que o preço não será elevado. Para isto, estamos reforçando a estrutura do Procon para garantir o direito de cada cidadão”.
A Aspas informou ao governador que estava acompanhando o avanço da pandemia e disse, por meio de seu presidente, Jorge Portugal, que os estoques de álcool em gel 70% haviam acabado, porque normalmente eram bem menores do que os estoques de álcool comum.
“Álcool em gel não chega a representar nem 5% da venda do álcool líquido. Então não se mantém um estoque grande e devido essa maior demanda ter surgido no país como um todo, está faltando esse produto até nas indústrias que fabricam. Mas já estamos conseguindo reabastecer com a ajuda de mais fornecedores. Ainda esta semana, o produto começa a chegar nas lojas”, afirmou Jorge Portugal.
De fato, o álcool em gel chegou, abarrotou os estoques dos supermercados, mas o preços praticados continuaram a ser abusivos, gerando incontáveis reclamações dos consumidores contra os valores não só do álcool em gel, como álcool comum e luvas.
Calamidade e falta de solidariedade
Sobre o aumento abusivo de preços em situação de calamidade, o Ministério Público de São Paulo, por meio do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais ( Cao-Crim), assim se manifestou sobre o que ocorria naquela estado e em todo o país: “o Cao-Crim vem recebendo inúmeras notícias, de populares e promotores de Justiça do estado, informando que comerciantes estão aproveitando o momento trágico e da escassez de bens para elevar, arbitrariamente, o preço dos produtos comercializados, em especial do álcool em gel”.
O fiscal da lei citava o artigo 39, X, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que afirma ser “vedado ao fornecedor de produtos ou serviços elevar, sem justa causa, o preço de produtos ou serviços”. De fato, há uma infinidade de hipóteses que justificam a elevação extraordinária, como o aumento no preço do insumo do bem; um aumento na qualidade do produto; um reajuste no preço em razão da inflação; o aumento razoável do preço com fins de aumentar o lucro.
“Fato é que um aumento significativo do preço em tempos de calamidade pública e escassez do bem não configura justa causa, mas sim insensibilidade para com os mandamentos emanados da solidariedade social”, enfatiza o MP paulista. .
Após citar outros artigos do CDC sobre aumento arbitrário dos lucros, que constitui infração contra a ordem econômica e crime contra a economia popular, o MP também fala sobre outros crimes da mesma natureza e a pena de 2 a 10 anos de prisão e multa de R$ 20 mil a R$ 100 mil, o fiscal da lei lembra que “a livre concorrência não autoriza o fornecedor fixar preço aleatório, sem critérios, sobretudo em momentos de crise, em que a população precisará ter acesso a produtos essenciais. Esse é o momento atual, e a busca por álcool em gel, máscaras e luvas aumentou significativamente. A variação de preço entre os estabelecimentos comerciais é comum e faz parte da livre concorrência”
Observa ainda ser perfeitamente possível que o álcool em gel custe, por exemplo, R$ 5,00 em uma loja, e R$ 7,00 em outra. Lado outro, o estabelecimento que, valendo-se da escassez do bem e sabendo da alta procura em razão da pandemia do coronavírus, decide cobrar para o mesmo produto R$ 20,00, “percebe-se, sem grandes esforços, um aumento arbitrário nos lucros, configurando infração do Código de Defesa do Consumidor, infração contra a ordem econômica e crime contra a economia popular”.
Diante disso, o Cao-Crim do MP orientava os órgãos de execução a conduzir a investigação nos termos do artigo 3º, VI, da Lei 1.521/51; a polícia deverá atuar e prender em flagrante delito os comerciantes que elevarem os preços de forma abusiva, diligenciando no sentido de fotografar os preços no estabelecimento comercial e registrar, sempre que possível, o valor do preço abusivo e o valor do preço antes do aumento arbitrário; deve-se buscar apurar o verdadeiro responsável pelo aumento abusivo do preço, razão pela qual é importante verificar, por meio das notas fiscais, o preço da aquisição do produto pelo próprio estabelecimento comercial. Isso pode indicar que o abuso não é, por exemplo, da farmácia, mas do fabricante, que elevou o preço do material que fornece ao comércio; o acordo de não persecução penal parece não ser indicado. Considerando que são crimes cometidos na ocasião de calamidade, portanto mais graves, o ajuste mostra-se insuficiente para a prevenção e retribuição do comportamento.
Crimes em Belém sob risco de prescrição
Procurada para se manifestar sobre as ações que impetrou contra os aumentos abusivos cobrados da população pelos supermercados de Belém, a Adecambrasil, entidade nascida no Pará, mas de abrangência nacional, enviou nota ao Ver-o-Fato.
“Em março de 2020, em pleno caos e agonia do início da pandemia de Covid-19, ocorrendo várias fiscalizações do Procon-Pará, inúmeras notícias na imprensa e mídia e muitas denúncias de consumidores em diversos órgãos e entidades, de que algumas empresas supermercadistas estavam praticando preço abusivo nos produtos álcool em gel, álcool normal/comum e luvas, que a população desesperadamente procurava comprar para a prevenção da gravíssima – e na época meio desconhecida – doença, a Adecambrasil, entidade de proteção ao consumidor de âmbito nacional que expede esta Nota, ajuizou ações contra vários supermercados”.
Os supermercados acionados judicialmente foram Portugal (0828910-12.2020.8.14.0301), Formosa, e Formosa Farma (0829011-49.2020.8.14.0301), Mateus (0829080-81.2020.8.14.0301), Nazaré (0831128-13.2020.8.14.0301) e Líder e Farma Líder (0831130-80.2020.8.14.0301), “para que o Poder Judiciário determinasse que essas empresas apresentassem em juízo amostras de cupons fiscais de vendas desses produtos, de todas as marcas, tipos e modelos, dos seus estabelecimentos, no período de 01/01/2020 a 18/01/2020 (antes da pandemia) e de 01/03/2020 a 23/03/2020 (início da pandemia), sob pena de multa diária, para obter a comprovação da elevação abusiva dos preços em plena tragédia de saúde, motivada pela ganância de lucro obtido na miséria dos necessitados, o que feriria inúmeras normas tal conduta das empresas supermercadistas”.
Segundo a Adecambrasil, os processos identificados estão “tramitando até hoje, com alguns já se percebendo sobremaneira visível a abusividade de preço cometida em meio a imensa tragédia, porque supermercados recusam-se a exibir os cupons fiscais de venda de janeiro/2020 (normalidade) e do mês de março/2020 (início da pandemia), ou a exibição em juízo é claramente deficiente, o que evidencia a abusividade de preços que certamente impediu os mais pobres de comprar os produtos em questão e se protegerem do vírus, pela absurda elevação dos preços de álcool em gel, álcool normal/comum e luvas, que por sinal, foi verificada em todo o país, praticada por desumanos comerciantes”.
Entretanto – resume a entidade – esses processos judiciais “ainda não foram sentenciados, e caberão recursos processuais, etc, com as empresas protelando decisões”. Assim, por essa indefinição judicial e pelos muitos recursos que a lei processual admite réus interporem, e porque a abusividade de preços que os processos ajuizados tratam, pode configurar crime cometido pelos empresários, nos termos da orientação do Ministério Público de São Paulo, da Cao-Crim, que normatizou como proceder no caso de “aumento abusivo de preços em situação de calamidade”, exatamente de álcool em gel em 2020, a Adecambrasil, por orientação da entidade maior, diretamente ao Ministério Público do Estado do Pará noticiará as situações na tentativa do MPPA atuar como o MPSP, para que a prescrição, se aspectos criminais existirem em cada caso, não venha a se operar de nenhuma forma, visto que as abusividades cometidas neste caso datam de março de 2020 e o tempo está passando”.
Por fim, a Adecambrasil diz: “na defesa da sociedade vimos, recentemente, as doutas promotorias de defesa do consumidor da capital ajuizarem ações civis públicas contra alguns dos supermercados citados nesta Nota e seus empresários sócios, relativamente a graves violações legais dos mesmos em matérias sanitárias, etc, com sérios riscos à saúde e vida da população consumidora da área metropolitana de Belém, o que incentiva mais e mais no órgão ministerial a associação de defesa do consumidor signatária a confiar para a devida apuração da existência de ilícitos penais ou não, cometidos por empresários, no início da
tragédia que foi a pandemia de Covid-19″.
Não quiseram falar
O Ver-o-Fato pediu a manifestação da Associação Paraense de Supermercados (Aspas), entidade que defende os interesses do setor. O presidente da Aspas, Jorge Portugal, procurado por telefone, disse que não iria falar ou comentar sobre as ações judiciais porque estava “licenciado” do cargo para tratamento de saúde. Ele sugeriu que a secretária da Aspas, de prenome Auxiliadora, fosse procurada para tratar do assunto.
Assim foi feito, também por telefone. Informada sobre as ações, ela disse que retornaria após obter maiores esclarecimentos da diretoria da entidade e do departamento jurídico da Aspas. Não o fez até agora. Os diretores dos supermercados citados na ação da Adecambrasil, por sua vez, também não retornaram as ligações.
Orientações contra preços abusivos
O presente Guia Prático de Análise de Aumentos de Preços de Produtos e Serviços apresenta orientações elaboradas e aprovadas no âmbito do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC) e consolidadas pela Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), que é a Coordenadora do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC).
O passo a passo busca oferecer aos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), aos fornecedores e a toda sociedade as orientações básicas acerca da atuação fiscalizatória dos órgãos de proteção e defesa do consumidor face à suposta elevação, sem justa causa, do preço de produtos ou serviços
por parte dos fornecedores.
O Brasil tem uma economia de mercado caracterizada pela livre iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor, com base nos princípios da ordem econômica fixados na Constituição Federal. Isso significa que a livre estipulação de preços² pelos fornecedores é a regra. Apenas, quando existem indícios de
comportamentos abusivos, os órgãos de defesa do consumidor passam à atuação fiscalizatória.
Assim, os aumentos de preços identificados em produtos e serviços precisam ser avaliados de forma compatível com o modelo constitucional. Com 24 páginas, leia abaixo o Guia Nacional de Preços Abusivos, repasse a outros consumidores e exerça seus direitos:
GUIA NACIONAL DE PREÇOS ABUSIVOS