Um mês antes da realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, o Ministério Público Federal (MPF) — autor da ação e fonte das informações —, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE-PA) ingressaram na Justiça Federal com um pedido de decisão urgente contra a União e o município de Belém. O objetivo é reverter o que classificam como omissões graves e persistentes no cumprimento de normas que garantem direitos fundamentais da população em situação de rua na capital paraense.
Segundo o MPF, a inércia das duas esferas de governo agrava um quadro de vulnerabilidade social já extremo, expondo milhares de pessoas à miséria e à violência institucional, justamente quando Belém se prepara para sediar um dos maiores eventos internacionais da década.
Os órgãos alertam para o risco de “higienização social” e remoções forçadas, num contexto de descumprimento generalizado da decisão cautelar do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 976, que determina garantias básicas à população de rua em todo o país.
A ação é assinada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão, Sadi Flores Machado, pelo promotor de Justiça Firmino Araújo de Matos, pelo defensor público federal Marcos Wagner Alves Teixeira e pela defensora pública estadual Julia Graciele Rezende de Sousa. O documento denuncia que Belém vive um “notório e expressivo aumento da população em situação de rua”, com crescimento superior a 500% nos últimos oito anos, segundo levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas para Pessoas em Situação de Rua.
Cinco eixos de descaso e violação
O MPF descreve na ação cinco dimensões da omissão estatal, que revelam o colapso das políticas públicas voltadas a essa população:
1. Ausência de dados oficiais:
Mais de dois anos após a decisão do STF, o município não realizou o diagnóstico da população de rua — etapa essencial para planejar ações eficazes. A Lei Municipal nº 10.152/2025, que institui a política municipal para o setor, prevê a realização de censos, mas nenhum foi feito até hoje.
2. Recolhimento forçado e remoções compulsórias:
A ação relata um episódio de remoção forçada e apreensão de pertences de pessoas em situação de rua na Travessa Quintino Bocaiúva, em junho deste ano — prática que, segundo o MPF, viola o direito à cidade e contraria frontalmente a decisão do STF.
3. Falta crônica de vagas de acolhimento:
Inspeções realizadas em julho nos abrigos Camar I e Camar II mostraram que a oferta de vagas caiu de 54, em 2023, para apenas 40, das quais apenas duas estavam disponíveis. Belém não possui nenhuma casa de passagem — estrutura essencial para acolhimento emergencial — e conta com apenas um CAPS-AD capaz de realizar quatro atendimentos diários.
4. Precariedade estrutural:
Um parecer técnico de engenharia classifica a Casa Rua Nazareno Tourinho como “crítica” e “totalmente inadequada”, com riscos iminentes de segurança. Os Centros Pop São Brás e Icoaraci, embora em melhores condições, também têm falhas graves de acessibilidade e estrutura.
5. Inefetividade das políticas públicas:
Apesar de Belém aderir formalmente a programas federais como o Plano Nacional Ruas Visíveis e o Projeto Moradia Cidadã, nenhuma medida prática foi implementada. A União, por sua vez, limita-se a prometer cronogramas vagos, sem suporte técnico nem financeiro.
Risco de agravamento com a COP30
O MPF alerta que a proximidade da COP30 pode agravar as desigualdades sociais e intensificar a especulação imobiliária, empurrando mais pessoas para as ruas e ampliando a pressão por remoções e “limpeza urbana” na cidade.
Pedidos de urgência à Justiça
Diante desse cenário, o MPF, o MPPA, a DPU e a DPE-PA pedem que a Justiça Federal conceda decisão urgente para obrigar a União e a Prefeitura de Belém a cumprir um conjunto de medidas imediatas.
Em até 15 dias, o município deve:
- Proibir remoções forçadas e o recolhimento de bens pessoais;
- Impedir o uso de arquitetura hostil e remover barreiras que dificultem o acesso a serviços públicos;
- Disponibilizar banheiros, bebedouros, lavanderias sociais, itens de higiene básica (sabonete, xampu, absorventes etc.) e estruturas provisórias de abrigo;
- Realizar mutirões de cidadania para emissão de documentos e inscrição em cadastros sociais.
Em até 30 dias, o município e a União, de forma conjunta, devem:
- Realizar um diagnóstico socioterritorial da população em situação de rua, com participação popular;
- Criar um protocolo intersetorial de atendimento na rede pública de saúde;
- Garantir pelo menos 250 vagas provisórias em casas de passagem.
A União também deve assegurar apoio técnico e financeiro ao município, dentro do Programa Pontos de Apoio (PAR).
Fiscalização e medidas estruturais
Os órgãos pedem ainda a apresentação mensal de relatórios de cumprimento das medidas e a realização de audiência de monitoramento em 60 dias. Os valores de eventuais multas deverão ser destinados a projetos de atendimento à população de rua.
Ao final do processo, o MPF, o MPPA, a DPU e a DPE-PA pedem que a Justiça Federal determine medidas permanentes de reestruturação da política municipal de assistência social, com:
- Reforma e ampliação dos abrigos para, no mínimo, 200 vagas;
- Criação de casas de passagem para 250 usuários;
- Realização do primeiro censo municipal da população de rua;
- Implementação do Projeto Moradia Cidadã;
- Garantia orçamentária municipal e apoio técnico-financeiro federal para todas as ações.
A ação tramita sob o número 1053723-12.2025.4.01.3900 na Justiça Federal em Belém.
A íntegra do processo está disponível para consulta pública.















