Chegou o inverno amazônico em Belém, contraindo o que dita o hemisfério sul nessa época do ano, trazendo um frio questionável e deixando o cotidiano um pouco mais preguiçoso e introspectivo. É época de comparar Belém à Londres, de bater foto do termômetro com defeito de Icoaraci (que costuma marcar -4° nesse período) e jogar na cara de alguém que isso não é frio de verdade, porque em Curitiba…(a intenção é só mostrar que já viajou para fora do Pará).
Janeiro sempre é um mês de muita dívida e pouco dinheiro, trazendo reflexões do que se quer conquistar e o que precisa ser consertado, o que combina bem com o ato de sentar no ônibus do lado da janela e ir olhando para o tudo/nada na viagem inteira, enquanto cai o toró lá fora, com as gotas, lentamente, fazendo uma trilha cuidadosa ao tocar no vidro do busão – como se fossem lágrimas no rosto.
O abraço do frio, remete à solidão, calmaria e contemplação de tudo que nos rodeia. Também distingue os aventureiros dos cuidadosos, já que os primeiros se locomovem com o dom de esquivar das poças de água, encontrando os melhores abrigos e momentos certos de correr sem ficar muito encharcado pela chuva; enquanto que os outros, exalam destreza ao sacar seu guarda-chuva, utensílio fundamental para passeios sem grandes emoções, coisa de gente precavida e que leva uma vida bem planejada.
Para muitas pessoas, o cinza insistente do céu é uma convite para leitura, sexo e café, atividades nada distintas para aqueles que dão valor ao sabor de cada instante. É que o volume do som da cidade parece abaixar, o que favorece a concentração para ler; os corpos queimam e contrastam bem com a temperatura ambiente, estimulando as sensações, pensamentos e toques; já o café atua na contramão do mundo, um anti-herói, um agitador de platéia, estimulante e cativo líquido que ajuda a manter o foco em meio a tanto relaxamento.
As chuvas chegam sem avisar, retrancando o trânsito, fazendo a manga, de surpresa, cair bem perto de um sortudo. De repente, aquela camisa manga longa, que fica lá no finzinho da gaveta, é ressuscitada e já serve para ir ali comprar o almoço.
Parece até que o frio atua como censura ao estresse. A vida fica mais pacata. O belemense adora um alívio, muito embora, ao ir para outra cidade, sinta falta até do costumeiro calor que por aqui habita. Mas não é hora de saudades, é tempo de curtir o nosso frio, mesmo que nem seja tanto assim.
Nosso povo merece.
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