Muitos desrespeitam a recomendação de isolamento por medo de ter mais prejuízos com a queda de venda. Em Icoaraci, só o vendedor de cocos ainda não sentiu o baque
Reportagem de Nicolau Amador
O belenense tenta lidar com a crise gerada pela ameaça do coronavírus como pode. E muitos estão fora do isolamento social. O Ver-O-Fato saiu às ruas nesta manhã de domingo para verificar como o cidadão de Icoaraci está lidando com os efeitos da quarentena provocada pela pandemia. Lugar de grande movimento aos domingos, quando muitas pessoas vão passear na orla ou pegam barcos para as praias de Cotijuba, a vila estava com certo movimento, mas nem de longe é o que costumava ser.
Já na Rodovia Augusto Montenegro notamos que havia um movimento considerável nas ruas, de carros e pessoas. O sol ajudava. A maior parte dos pontos de ônibus estava vazia, exceto aqueles que ficam próximos aos supermercados ao longo da rodovia. Em frente ao Atacadão, Maria de Nazaré Oliveira, 64 anos, desafiava o isolamento social e esperava por mais de 30 minutos a condução com suas sacolas de compras. “Como vou ficar em casa? Preciso fazer compras”, disse ela enquanto esperava o ônibus.
Na Travessa São Roque, em Icoaraci, o dono de uma barbearia até abriu o estabelecimento, mas até às 11h da manhã não teve nenhum cliente. Mesmo assim ele preferiu abrir a ficar em casa. “Durante a semana ainda temos alguns clientes. As mulheres sumiram, mas os homens ainda vem cortar o cabelo. A gente agenda horários pelo celular”, disse ele.
“A firma quebrou, mano”
O trapiche de onde sai os barcos para Cotijuba, que em finais de semana normais tem embarques e saídas de meia em meia hora, estava vazio às 11h15 da manhã. Mesmo com a manhã ensolarada, apenas três barcos saíram em direção à ilha até o meio dia. Não tinha lotação para sair mais. O guardador de carros Marcos Oliveira, 34 anos, confessou. “Não vou te mentir, a firma quebrou, mano”, disse ele sobre o movimento.
O pequeno empresário José Moreira, 62 anos, dono de uma loja de ferragens e artigos de pesca dispensou um dos dois funcionários e tem mantido aberto o estabelecimento com a ajuda da esposa e do filho, que se revezam no balcão. “Só está vendendo quem trabalha com alimentos, mesmo assim é melhor abrir do que ficar em casa sem fazer nada”.
Moreira disse apoiar as medidas do presidente Bolsonaro em relação a sair do isolamento social, mas disse que sabe que a situação é delicada. Ele também se mostrou reticente em relação a ajuda que o governo pretende dar aos desempregado e informais. “Até esse dinheiro chegar na mão da população demora muito e a gente sabe como é, metade fica no meio do caminho, em vez de chegar a quem realmente precisa”, disse ele.
Dois infartos e uma angústia
Já José Maria Marques Pereira, 62, está numa situação mais difícil. Ex-açougueiro, ele perdeu dois dedos em uma serra de cortar carnes. Como não consegue trabalhar, vende camarão e filé de gó na porta do mercado de Icoaraci. Diz que infartou duas vezes e, em tratamento, nem deveria trabalhar. Está na justiça tentando se aposentar há mais de um ano e tem que comprar remédios para o coração que custam mais de R$ 100,00 cada um.
“Não sei porque eles não transferem esse dinheiro direto para a nossa conta, eles [o governo] têm os nossos dados todos, tenho até aquele cartão cidadão”, disse ele, desconhecendo as formas de pleitear os benefícios que podem ser oferecidos pela governo. Enquanto a situação não melhora ele tenta vender peixe e aguarda o benefício do bolsa família, do qual recebe pouco mais de R$ 80 por mês. “Sou sozinho, não tenho mulher ou filhos, moro de agregado na casa de um sobrinho, o que ganho aqui é muito pouco, mal dá para pagar o almoço”, lamentou.
Na loja de departamentos ao lado do mercado, a vendedora Divana Freitas, 26 anos, disse que o movimento caiu mais de 70%. Durante a semana toda, o dono da loja manteve o estabelecimento fechado. “No sábado que ele abriu. Ontem ainda teve algum movimento, mas hoje está devagar. Moro com meu pai que tem mais de 70 anos e é do grupo de risco. Só eu mesmo que trabalho, mas por enquanto ninguém falou em cortar pessoas aqui, estamos esperando para ver o que acontece”, contou Divana.
Restaurantes, bares e lojas de artesanato na orla não abriram ou fecharam antes do meio dia. Só quem ainda vendia alguma coisa eram as primeiras barracas de água de coco da curva da orla. Pedro Barbosa, 43 anos, disse que a polícia deixou eles trabalharem, mas proibiu que colocasse as cadeiras onde as pessoas costumam sentar para aproveitar a brisa do rio enquanto saboreiam a água de coco.
Apesar disso, por causa do movimento gerado pelo calor próximo do meio dia, ele descumpria a recomendação da polícia. “Insisto de teimoso. Ainda não está tão ruim, mas para os bares, restaurantes e as pessoas que vendiam cerveja na rua, está pegando”, completou o vendedor.
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