Queríamos alienação ganhamos cancelamento.
Hoje deixarei o lado profissional para falar como telespectadora de um reality que faz parte de mais da metade da minha vida.
A ideia principal dessa coluna é trazer notícias sobre o BBB de forma leve e divertida. E confesso, minhas expectativas eram boas para essa edição. Por se tratar de um elenco diverso e cheio de personalidades representativas, entre artistas e anônimos.
A três dias estou buscando escrever sobre a “Cultura do Cancelamento” e toda essa prorrogação se deve ao quanto o reality passou a ser tóxico. Um assunto que tem dominado o programa desde sua estreia e vem trazendo debates calorosos sobre julgamento e a responsabilidade de saber os limites da liberdade de expressão. O que já estava delicado conseguiu extrapolar todas as barreiras de entretenimento.
Em oito dias de edição temos material de produção para quase um período inteiro de programa. Estamos acompanhando narrativas de segregação, xenofobia, preconceito, ódio, bullying e abuso psicológico. De todas as edições de BBB que pude acompanhar, nada se compara a intensidade de tudo que aconteceu na primeira semana do BBB21.
Muitos telespectadores estão pedindo intervenção dentro da edição devido ao grande nível de estresse e angústia que vem causando. As falas da participante Karol Conká e Lumena Aleluia tem sido alvo de criticas constantes fora do reality.
O cenário que vem sendo desenhado dentro da casa, é um espelho dos desdobramentos do termo cancelador. Muito usado no ambiente virtual como significado e objetivo de ser um guru da verdade máxima, lacrador, dono da opinião. Com acesso a informação e democratização do uso da internet, as redes sociais se tornaram um ambiente propício para apropriação desse trono que nos faz sentir como deuses.
Milhares de telespectadores e fãs do programa vem acompanhando angustiados, e em modo ‘’Pay-Per-View’’, a segregação e julgamento que os participantes Lucas Penteado e Juliette vem sofrendo. Dois personagens complexos. O rapper Lucas e a maquiadora Juliette deixam explícitos os traumas de uma infância difícil ao compartilhar suas historias de vida no reality.
Chegar em um dos programas de maior audiência do país, e com tanta visibilidade, talvez tenha sido muito para conseguir lidar. Uma mudança de vida drástica e com grandes possibilidades de crescer financeiramente, profissionalmente e principalmente de aparecer. As chances de ter um choque de realidade, aliado a indivíduos que talvez não tenham ferramentas suficientes para lidar com o julgamento, pode refletir em comportamentos considerados inadequados por muitas pessoas.
Isso não justifica erros, mas passa a fazer mais sentido. Por trás da chatice de Juliete, assim julgada pelos brothers, e prepotência de Lucas, notamos um mecanismo de defesa que ambos encontraram para proteger seus medos, inseguranças e carências.
Em um jogo que acontece a todo momento é preciso saber lidar com esse turbilhão de emoções, e talvez o tempo seja pequeno para absorver e colocar em pratica esses aprendizados.
Lucas pecou pelo excesso da imposição, o ator visto como um dos participantes ao cargo de favorito, conseguiu queimar sua imagem em menos de 24h, na festa que aconteceu no dia (30/01). Bastou uma madrugada para o artista bater de frente com quase todos os participantes. Em muitas das suas falas o rapper dizia que queria fazer a revolução, honrar os negros, inclusive desconstruir o machismo de um dos participantes.
Uma conduta que acabou saindo da linha com sua postura de superioridade, em um momento de festa e descontração onde todos queriam celebrar. O brother acabou impondo alianças de negros contra brancos, rivalidade, assediando psicologicamente as influenciadoras Kerline e Camilla de Lucas, insinuando palavras com teor de dissimulação, tirando a paciência e deixando muitos confinados irritados com toda a situação.
O BBB parecia um cenário perfeito para o ator executar seu enredo de revolução e honra aos negros. Uma estratégia arriscada que acabou causando um desconforto generalizado dentro da casa.
Por sua vez Juliette estampou suas inseguranças no seu jeito intenso, sem medir as palavras muitas vezes, a mesma acabou reconhecendo que havia exagerado e compartilhou para consultora de marketing digital Sarah, dizendo: ‘’Quando vi pessoas grandes, fiquei com medo. Precisava me mostrar, aparecer’’. A maquiadora foi taxada como falante, sem educação e inconveniente com seu excesso de brincadeiras e posicionamentos desconexos. Por muitas vezes suas atitudes trouxeram desconforto para vários participantes do programa.
Ainda assim, por mais que os comportamentos de ambos pudessem incomodar na convivência, o que não deixa de ser a proposta do jogo. Nada justifica a represália escancarada da maioria dos integrantes da casa, deixando exposto a prepotência e superioridade dos indivíduos. Indo na contramão do lema pregado no inicio do programa pelos próprios confinados. Umas das falas que marcaram o começo do jogo foi da produtora de conteúdos Camila De Lucas, em sua apresentação para os confinados, a sister disse: “Não podemos ter medo do cancelamento, temos que cancelar o cancelamento”.
Esse é um tema abrangente e que precisa ser explorado e debatido, mais do que entreter queremos usar a informação como método para educação, por isso a importância de uma opinião e uma análise profissional para aprendermos até onde é importante o cancelamento. Segundo a psicóloga Camilla Viana:“No cancelamento – seja ele no BBB ou nas redes sociais – não há chances para o erro, mesmo que saibamos que errar faz parte da evolução humana. Por isso, a consequência desta destilação gratuita de ódio é o sofrimento psicológico direto, podendo acarretar traumas profundos na personalidade.
A cultura do cancelamento destrói o “Eu”, ridiculariza a tentativa de reparação e coloca este sujeito à margem, no invisível, gerando graves sentimentos autos destrutivos de culpa, vergonha e incredibilidade”.
É necessário urgentemente começar a se fazer uma análise de autocrítica, mas o que temos visto é justamente o oposto, pessoas querendo causar, emitir suas opiniões e esquecendo que todos somos passiveis a erros.
Deixamos como reflexão final a fala da psicóloga Camilla Viana:“Quando perdemos a capacidade humana de lidar com as diferenças e aprender com elas? Pois nenhum crescimento acontece na violência. O cancelamento é infértil para o aprendizado”.
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