Embarcar no ônibus é uma conquista, isto é, se você não for uma mulher considerada gostosa para o motorista. Por isso, se for pelo horário de 13h00 ali pela Augusto Montenegro, dê o sinal com carinho, faça cara de fome e até dê um “legal” no lugar de simplesmente acenar com a mão direita. Pois é nos sentimentos que você tenta fazer com que o motorista não passe reto afim de encurtar seu tempo de viagem e finalmente possa almoçar.
Nos ônibus da cidade o tal, bendito, do “novo normal” apenas se reserva para as pessoas com máscara – ou quase, porque a maioria relaxa ao sentar, botando a proteção em qualquer lugar, menos onde deveria – e a não obrigatoriedade de passar o dedo no leitor biométrico, porque de resto, continua igual.
O cobrador continua dando o troco conforme tua nota utilizada para pagamento (ou se você for a tal mulher gostosa, tem isenção). Se você paga meia-passagem (1,80) e dá uma nota de 2 reais, o cobrador fecha a cara e te dá o troco com visível descontentamento. Se tua nota for de 5 reais, ele não te dá o troco nas mãos, só joga na mesa dele e tu que pegue.
Se for 10 reais, além de tudo anteriormente citado, ainda resmunga te chamando de mal educado e te dá um olhar-43 de intimidar. Se for 20…caro leitor, se despeça dos seus parentes, temo que ele te jogue do ônibus em movimento. E vem aí a nota de 200 reais…cuidado.
O motorista continua passando a marcha como se tivesse lutando no UFC, nem parece que aquilo ali é seu meio de ganha-pão. Nessa semana, em um desses tradicionais combates, meu ônibus deu prego ali na Av.Centenário. Prontamente, o motora tira uma bronca dizendo que não foi a manutenção. O cobrador, incrédulo, pede pra ele continuar testando o carro. Os passageiros todos se levantam pra ver, na dúvida se é assalto ou briga.
Nos testes do motora, uma fumaceira começa a ficar cada vez mais forte. Logo começam as reclamações, xingamentos e até brincadeiras por parte do passageiros. Alguém fala que não é hoje que ele vai pegar o Ricardão com a mulher dele. Todo mundo ri. É rir pra não chorar pela humilhação. Por sorte existem pessoas bem humoradas.
Quando o ônibus quebra, temos que esperar outro, para qual a função de fazer sinal de parada virá do cobrador, enquanto o motorista liga para empresa. Mas não é qualquer um busão que pode nos socorrer, tem que ser da mesma empresa e ter um motorista que aceite recolher mais pessoas, já que às 17h tudo está lotado.
O primeiro pára e então começa a guerra. Não tem essa de primeiro mulheres e crianças. É a lei do mais sagaz. Quem tenta organizar, é vaiado. Anarquia total. Aí começam as brigas, porque quem sobe – pela porta traseira, para não pagar novamente a passagem – , não vai para o fundo e fica ali por perto da porta, impedindo os outros de subir ou descer. O porradal começa. Geralmente são duas senhoras que tu não daria nada apostando que arranjariam confusão num momento de tanta humilhação.
Enquanto sobem no primeiro, chega outro, mas que pára mais na frente. E tome humilhação… além de briga, empurra-empurra, agora uma mini maratona correndo atrás do busão. É como devem se sentir os espermatozoides rumo ao útero. Mas a corrida faz bem e o povo começa a rir, fica até divertido. Enfim embarcamos e saímos.
Mas já estourados, exaustos, com fome e, provavelmente, cheios de covid, chega um cara com microfone, mini caixa de som e começa a evangelizar, sem máscara, para todos ali presente. Ele tem mais fé do que dom para cantar, é visível, ou melhor, audível. Mas quando isso acontece, é melhor buscar maneiras de contemplar a arte, porque se ficar com raiva é pior, pois ele vai perceber e cantar ainda mais alto.
Pode piorar. Com o busão parado no semáforo, alguém, do lado de fora, puxa o celular de um senhor. Na hora ele o xinga, todos se levantam para olhar e lá vai o ladrão…correndo entre os carros como a chuva que escorre pelos dedos…
Mais um dia normal, sem novo normal, nos ônibus de Belém…
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