O psicanalista jovem, descasado, está sentado ao lado de um amigo, na penumbra do bar Riviera, conhecido no passado como ponto de encontro de artistas e jornalistas, em frente ao Cine Belas Artes, na Avenida Consolação, em São Paulo.
Louro, de olhos claros, um típico descendente de italiano, com ansiedade, ele se prepara para a relação sexual que terá com a aluna de mestrado em Literatura, prestes a chegar ao bar.
Ali, está um macho aguardando sua fêmea.
Uma situação na qual ele é obrigado a se concentrar nas perspectivas de prazer, suas e dela.
De pouco valem, naquele momento, a leitura das obras de Freud, as dispendiosas sessões de terapia didática a que os psicanalistas são obrigados a se submeter para serem admitido na Associação Brasileira de Psicanálise, e, a experiência que acumulam junto a seus pacientes.
O psicanalista comenta, preocupado:
– Certas mulheres gostam de você por causa do cheiro que sentem em seu corpo. Outras, rejeitam você devido exatamente ao mesmo cheiro.
Depois, volta sua atenção para si mesmo.
E diz sobre a aluna de mestrado, já indicando que aquele seu relacionamento não durará muito tempo:
– Eu gosto muito dela porque é inteligente. Mas, ela tem a bacia estreita. E eu gosto de mulheres com bacia larga.
Esta conversa, ocorrida há mais de 30 anos, faz parte da memória oral do Riviera, que esteve fechado por alguns anos, e, reabriu com nova feição.
Mas, poderia ter sido incorporada a um dos livros de Martha Mendonça, de título chocante:
– “Canalha, substantivo feminino”.
Porque nele, os personagens são inteiramente submetidos ao nível natural – para não escrever animal – da relação homem-mulher.
Um nível que introduz na existência humana um largo espaço para os comportamentos instintivos, jamais extintos, através de educação escolar, formação religiosa, ou convívio familiar.
E que, por isto, tem o frescor e o perigo da natureza incontrolável.
No livro de Martha, todos personagens, colocados naquele nível natural, são machos humilhados pelas fêmeas.
Elas usam seus encantos físicos para explorá-los materialmente, depois os desprezam.
Por isto são chamadas de “canalhas” pela autora, já no título.
Aumentando nos machos leitores um medo antigo.
O de seres sempre escolhidos, pelo que podem oferecer, genética e socialmente, para elas e os filhos delas.
A insistência em mostrar as mulheres sempre manipuladoras, e, os homens sempre manipuláveis, colocou a autora sob o risco de criar personagens caricaturais.
Contudo, talvez, ela tenha aceitado correr este risco por querer dar maior visibilidade a um tema relevante, mas pouco abordado.
Porque incomoda homens e mulheres.
O tema da manipulação de um ser humano por outro.
Como a manipulação do psicanalista que escolhe parceiras pela largura de suas bacias.
E a da “canalha” de Martha Mendonça.
- Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista