Mas nós realmente sabemos o que é a Amazônia, esse continente vegetal, que tanto alguns de nós, mais em outros países do que brasileiros – queremos tanto preservar, defender, dos massacres do Novo Imperialismo que a devora – herdeiro faminto do velho colonialismo?
Suspeito que poucos. Talvez até mesmo que bem poucas crianças, em nossas escolas.
Sabe-se que em escolas do nosso fraterno irmão canibal capitalista, Os Estados Unidos da América, é ensinado às crianças norte-americanas que a Amazônia não faz parte do Brasil e de nenhum outro país – que ela cobre verdemente em toda a América do Sul – é, sim, que ela é do mundo inteiro. De maneiras que as gerações futuras já vêm sendo preparadas para, em caso de nossos fraternos canibais capitalistas, um dia vierem tomar posse da Amazônia – nós, brasileiros, peruanos, equatoriano, venezuelanos, é quem seremos os ladrões, que queremos roubar a Grande Floresta do mundo – e não aqueles de quem a Floresta está sendo roubada.
Bastante astucioso, não? Não devemos ver, nisso, uma tomada de assalto, uma invasão não anunciada?
Eu leio com muita clareza esses indícios e não tenho dúvida das minhas leituras – um mínimo de geopolítica basta para tanto. Mas voltemos à pergunta inicial: Sabemos o que é a Amazônia, mesmo sendo habitantes e filhos dela (não falemos da outra metade do Brasil: lá, a ignorância total reina absoluta). Como poderemos defender o que não sabemos que estamos defendendo?
E – rapidamente – o que é a (agora a chamemos assim) : a Amazônia Natural?
Eis os primeiros dados, didaticamente:
É a maior floresta tropical do mundo. Concentra imensa biodiversidade. Faz parte do bioma Amazônia, dos seis biomas brasileiros – o maior. Ela equivale a 53% das florestas tropicais ainda existentes no planeta. Não apenas por isso é incomensurável sua importância ecológica. E o mundo todo sabe disso.
Ela ocupa todo o norte da América do Sul, no Brasil abrangendo os estados do Amazonas, Pará, Acre, Rondônia, Roraima e Amapá, além de grandes proporções de países latino-americanos: Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
Ela é, enfim, um santuário natural.
Profaná-la é praticamente destruir a vida na Terra.
Agora você viu mais claramente a dimensão e a importância da nossa luta em defesa da Amazônia – se já sabia, recorde profundamente, se não sabia ainda – guarde profundamente em você esse breve panorama da Grande Floresta.
Iniciamos essa tomada de consciência aprofundante sobre a Amazônia abordando duas de suas camadas de realidades insondáveis que ela tem: a História e a Mítica.
E iniciamos por um fato histórico mais recente: Era o ano de 1983. Havia no ar uma grande agitação, um ânimo, uma disposição – não apenas nacional, mas até, parcialmente, apenas, internacional, de defender a Amazônia da destruição pelos homens. Que agitação era essa? Seria realizada em Belém situada na floresta amazônica, foi a cidade escolhida para abrigar o que se converteu na primeira reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
Centenas de pessoas, do Brasil e de outros países, marcaram encontro aqui. E vieram. Mas eu – em um estado de alerta e suspeita de que toda aquela agitação seria em vão, que passada as chamas dessa fogueira que se acendia, de insurreição em defesa da Vida Natural, tudo se desvaneceria em cinzas. E lancei no centro dos acontecimentos o meu Manifesto Curau/Flagrados em delito contra a noite.
Nele, fiz a defesa política e poética da Floresta.
Do ponto de vista histórico, denunciei: – Vítimas de uma sociedade violentamente gerada pelos mais evidentes padrões de colonização, nossas chances de mudá-la começam na visualização da face oculta de quem nos fez isso.
E prossegui: – O equívoco das lutas anti-imperialistas circunscritas à confrontação política e econômica é, tem sido, ignorar que o projeto de permanência do imperialismo ocidental, projeto liderado pelos imperialismos europeu e norte-americano, inclui estratégias mais vastas e invisíveis, que utilizam a cultura – a Cultura, exprime melhor – e todas as suas ramificações, previamente envenenadas com um curare entorpecedor das culturas do Terceiro Mundo, tolhendo na nascente sua afluência e sua chance de uma ação nativa libertadora.
E fui em frente, afirmando: – Só conseguiremos libertar a Amazônia, antes que seja destruída para os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos, pela exploração colonial imperialista, com a cumplicidade das elites brasileiras, se nos entregarmos inteiramente a ela – nos fundirmos, na Floresta e suas cidades, as nossas raízes de árvores regionais humanas?
E saltei então para a dimensão da Amazônia mítica, sua camada de realidade onírica – a mais profunda, alertando assim: – Para tanto é indispensável nos expressarmos essencialmente com essa retaguarda de região que somos soterradamente, com essa retaguarda de oralidades, de lendas, de fábulas que historicamente têm melhor nos expressado como região e como sonho de região, como seres humilhados economicamente, politicamente, esteticamente, mas também como seres luminosos, de violenta riqueza vital.
O principal foi formulado nas últimas linhas do Manifesto Curau, estas: – Precisamos manter todos os sentidos advertidos contra os engôdos de uma História feita contra nós, por dominadores contra dominados.
Para realizarmos essa libertação, precisamos aprender a ouvir as falas do inconsciente falante geral de toda a região – mineral, vegetal, animal, humana.
Nesse imaginário, é esta região na verdade quem fala, e, através dela, falaremos todos nós.
Bastará deixar que ele nos diga algo. E escutar. Com muita humildade. Muita radical exasperação também. E sonhando bastante os nossos sonhos, a todo instante. E deixando que esses sonhos, os individuais, se misturem com os sonhos da região. Porque, no fundo, só uma coisa sonha e nos sonha: a Vida.
É preciso dar-se, deliberadamente, a ela. E é preciso insistir:
Nossa História só terá realidade quando o nosso imaginário a refizer, a nosso favor.
Continuaremos a partir desta VIDA sobre a Amazônia, agora a lançar nosso olhar mais à tona, sobre a dimensão natural da vasta Floresta Sagrada.
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