Duas advogadas denunciaram, durante ato público da OAB paraense, na última terça-feira,18, terem sido submetidas à “revista vexatória” em unidade prisional do bairro da Marambaia, em Belém. O presidente da entidade, Alberto Campos, após a narrativa das advogadas, anunciou que elas “serão desagravadas pelo Conselho Federal da OAB na III Conferência Nacional da Mulher Advogada”, que será realizada nos próximos dias 5 e 6 de março, em Fortaleza, no Ceará. Outra advogada também teve problema com agendamento de entrevista com o cliente.
“Eu nunca me senti tão acolhida como eu estou me sentindo pela Comissão de Prerrogativas”, afirmou a advogada Milene Serrat. Ela foi obrigada a se submeter à revista íntima para poder atender um cliente detido no Centro de Triagem de Marambaia. O caso ocorreu no último dia 11, segundo o boletim de ocorrência registrado na Divisão de Crimes Funcionais da Corregedoria da Polícia Civil. De acordo com o documento, ao entrar no presídio, a advogada foi informada de que deveria ser revistada com base na Portaria nº 164/20, da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap).
“Quando me perguntam por que eu me submeti à revista, eu respondo que eu estava ali para cumprir o meu trabalho como advogada, eu estava ali porque o meu cliente não é da cidade de Belém. Ele é da cidade de São Sebastião da Boa Vista, no interior do Marajó. A família, quando me procurou, falou que não tinha dinheiro para visitar o filho de 15 em 15 dias no presídio, e não sabia se ele estava comendo, se estava bebendo. E, nesse dia 11, eu me dirigi até à triagem da Marambaia, onde eu fui informada pela agente penitenciária que, ou eu me submetia à revista, ou eu não entrevistaria meu constituinte”, lembrou a advogada.
A advogada Viviane de Souza também usou a sua manifestação para denunciar ter sido vítima de abusos dentro do sistema penitenciário. “Infelizmente, neste momento, estou sendo motivo de piada para muitas pessoas. Mas eu não vou me calar. Agradeço, principalmente, à OAB Pará, que tomou as minhas dores. É uma instituição que eu posso, de fato, confiar e que vai me amparar num momento de tanto descrédito”, afirmou a advogada Viviane.
“Que bom que estamos aqui unidos. Eu gosto quando a OAB levanta, porque todo mundo treme. Não só porque somos mulheres, mas porque somos advogados”, destacou a advogada Márcia Araújo, que na mesma audiência relatou outra violação de prerrogativa. No último dia 12, ela foi até o Complexo Penitenciário de Americano, após inúmeras tentativas de agendamento de visita pelo sistema online da Seap, para entrevistas com clientes, um deles com suspeita de tuberculose.
“Desde o dia 7, entrei no sistema e não estava conseguindo agendar. Por isso, no dia 12, eu fui direto. Chegando lá, não me deixaram entrar, porque a portaria havia sido reeditada. Mas havia uma exceção. Eu estou com cliente com suspeita de tuberculose. Procurei o diretor, e ele não estava lá. O direito à visita carcerária é fundamental, não existe agendamento para isso. Está na Constituição”, frisou.
O presidente da OAB-PA, Alberto Campos, enfatizou as constantes lutas da Ordem em defesa de sua classe. “Nós lutamos muito para fazer desagravos públicos como este aqui, porque, depois que realizamos o ato, nós saímos revigorados, saímos com a noção de que realmente é a Ordem dos Advogados, a única que tem condições de enfrentar o arbítrio e atos ditatoriais. A Ordem dos Advogados vai estar aqui, sempre, para atacar em legítima defesa aqueles que ousarem levantar a mão para a advocacia, poder soberano do país, conquistado com muita luta, depois da promulgação da Constituição de 88”, garantiu o dirigente da entidade.
“As portarias da Seap vão de encontro a todo ordenamento jurídico que nos ampara”, ressaltou Eduardo Imbiriba, secretário-geral e presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas, ao convidar os membros da Comissão Nacional de Prerrogativas e Conselho Federal para virem ao Pará constatar as “violações dentro do sistema penitenciário”.
A presidente da Comissão da Mulher Advogada, Natasha Vasconcelos, discursou e pediu um minuto de barulho em favor das advogadas. “Eu estou absolutamente indignada de, em 2020, essas mulheres terem que vir aqui se justificar, tentar se defender, explicar porque tiveram que se submeter a isso, como se todas nós não soubéssemos”, disse Natasha.
Juliana Fonteles, presidente da Comissão de Direitos Humanos, reforçou que a população carcerária precisa ter garantido o direito à dignidade. “Nós coletamos um acervo de vídeos e fotos comprovando a situação de presos e presas torturados, que têm sofrido as mais diversas violações de direitos humanos, falta de alimento, falta de um colchão para dormir. Nós vamos nos unir, para que o respeito às instituições possa imperar”, defendeu.
O conselheiro e ouvidor-geral da OAB-AM e membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos, Glen Freitas, disse que todos estão estarrecidos com o que aconteceu no sistema penitenciário do Pará. “As violações agridem a mulher, os advogados e violam os direitos humanos. A Comissão Nacional dos Direitos Humanos está impressionada. É algo surreal o que está acontecendo no Estado do Pará”, resumiu.
Seap diz que vai apurar
O Ver-o-Fato procurou a Seap para que ela se manifestasse sobre as denúncias das advogadas. Segundo nota enviada, a “Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP) informa que está apurando denúncias feitas por advogados de suposto procedimento indevido realizado em unidade prisional desta secretaria. A SEAP ressalta ainda que a Portaria relacionada ao acesso de advogados para realização de entrevista pessoal e reservada nas unidades prisionais do Pará obedece ao protocolo de agendamento eletrônico, regulamentado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária”.
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