Pesquisa do Instituto Nacional de Tecnologia (INT) estuda possíveis destinações ao fruto, que tem atualmente apenas 15% de aproveitamento
O açaí, onipresente no país, gera um problema desconhecido por grande parte da população que vive fora da região Norte: 1,1 milhão de toneladas de resíduos, que representa 85% do fruto e está soterrando lixões. Para solucionar a questão, a pesquisadora Ayla Sant’Ana, do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), descobriu possíveis destinações industriais para ele, como na elaboração de cosméticos e até de rações.
Em 2014, fui informada de um problema até então desconhecido para mim: há um acúmulo estimado em 1,1 milhão de tonelada de resíduos de açaí em lixões das cidades do Norte do país. A produção de açaí é estimada em 1,3 milhão de tonelada e estamos aproveitando apenas 15%.
Então a questão era saber do que era composta essa semente para dar algum uso nobre para isso e ter aproveitamento total nessa cadeia produtiva. Temos uma fonte amplamente disponível, que é um estorvo, quando na verdade poderiamos estar desenvolvendo produtos com grande potencial de mercado.
Biodegradáveis, esses resíduos não podem ser absorvidos pela natureza?
Há dois problemas: é uma semente muito dura, um coquinho que, para ser quebrado, precisa de uma força de 98 quilos. Isso faz com que a degradação seja mais lenta. O outro é que, se eu deixar uma semente no sol, talvez em um ano tenha desaparecido, mas quando falamos de milhares de toneladas esse um ano passa a ser muito tempo. Não é mais um processo natural quando há uma produção de agricultura.
O que você descobriu?
A semente tem uma grande quantidade de um carboidrato chamado manana, formado por várias manoses, a unidade fundamental, ligadas. Há 550 mil toneladas de manana disponíveis, e ela pode ter diversas aplicações industriais. Por si só é usada como espessante em alimentos em formulação de cosmético.
Tem atividade prebiótica, que alimenta os probióticos, então ajuda no fortalecimento dos microorganismos benéficos, podendo ser usado em várias formulações, como rações premium para animais. E por ser um espessante pode ser usado também em cremes para pele, deixando-a mais agradável ao toque.
Você conseguiu apoio para a pesquisa?
Em meados de 2016, ganhei um edital de apoio da Capes para iniciar a exploração em relação à composição da semente. Em 2017, inscrevi o projeto para o apoio do Instituto Serrapilheira. Receberam 2 mil propostas e aprovaram 65 projetos, o meu incluso. Ganhamos R$ 100 mil para executar em um ano. No final do período, os projetos foram reavaliados com comitês internacionais e pesquisadores renomados. Dos 65, selecionaram 12 para receber R$ 1 milhão para continuar a pesquisa por mais três anos. E eu fui uma das 12. O contrato começou em agosto.
Você conseguiu a patente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) em cerca de um ano. Como foi isso?
O Inpi tem um programa recente chamado Patente Verde, que visa incluir tecnologias prioritárias para o desenvolvimento do país e que tenham tecnologia com sustentabilidade envolvidos. E você pode pedir o enquadramento dentro desse programa e ganha exame prioritário. Isso é legal porque às vezes demoram dez anos para conceder ou não sua patente.
Em meu caso, demorou um ano e três meses, mostrando que o programa de patentes verdes está apresentando tecnologias para o desenvolvimento do país. O potencial estava identificado, mas precisava desenvolver um processo de extração. A patente descreve os processos de obtenção dessas moléculas a partir da semente de açaí.
Quais os próximos passos?
Já estamos conversando com algumas empresas, mas todo desenvolvimento de tecnologia é um processo longo. Muitas outras frentes nesse projeto estão sendo exploradas. Especificamente, o processo envolve o uso de enzimas mananazes, que degradam a manana, e precisei importar uma enzima japonesa.
Então um gargalo importante é continuar a pesquisa de enzimas eficientes para ter mais independência tecnológica. Vira uma oportunidade para desenvolver uma tecnologia nacional.
Fico me perguntando quantos outros casos parecidos com a semente de açaí não existem em nosso país. Devem ter muitos outros casos de oportunidade que não foram enxergadas e que estão esperando alguém ir lá, com apoio para isso. Texto de Constança Tatsch
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