O home office, as reuniões virtuais e os webinars se tornaram uma realidade para milhões de profissionais e para as empresas, enquanto as viagens de trabalho, especialmente as de longa distância, os eventos presenciais e os contatos pessoais, fundamentais para o desenvolvimento de networking, perderam espaço. Até o “dress code” de trabalho se alterou sensivelmente, com o uso de roupas e acessórios mais casuais, e é difícil imaginar que volte ao que era antes quando a crise passar.
Em decorrência do trabalho remoto, milhões de metros quadrados de escritórios nas principais cidades do País ficaram vazios, levando empresas de todos os portes a estudar a venda ou a devolução dos imóveis que ocupavam – um movimento que deverá se intensificar nos próximos meses e anos.
Impulsionados pelo desemprego recorde e pela transformação das relações de trabalho, que já estava em curso e acelerou-se durante a crise, milhões de brasileiros decidiram se reinventar e criar o próprio negócio, em vez de buscar um emprego com carteira assinada. Na nova era, o empreendedorismo deverá desempenhar um papel ainda mais relevante do que desempenhou até hoje.
Conversão ao empreendedorismo
Com a transformação das relações de trabalho, impulsionada pela flexibilização da legislação trabalhista e pela crescente digitalização das empresas, que já estava em andamento antes da crise, muitos profissionais vinham trilhando o caminho do empreendedorismo para se adaptar aos novos tempos e garantir o seu sustento e o de suas famílias.
Com a pandemia e a recessão brutal que a acompanhou, levando ao corte de milhões de empregos, essa tendência se acentuou de forma expressiva.Segundo o Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), foram criados 1,47 milhão de MEIs (Microempreendedores Individuais) de janeiro a setembro de 2020 – um recorde desde o surgimento da categoria em meados de 2009 –, o que representa 13,8% a mais do que no mesmo período do ano passado.
Além disso, foram criadas cerca de 700 mil micro e pequenas empresas, um aumento de pouco mais de 10% no ano sobre o total existente no fim de 2019. Em São Paulo, de acordo com a Junta Comercial do Estado, houve o registro de 22.825 novos CNPJs só em agosto, a maior marca mensal desde 1998.
É certo que, com a crise, um número significativo de MEIs e pequenas empresas fechou as portas, embora o Sebrae não divulgue os dados relativos à mortalidade dos negócios de menor porte. O Ministério da Economia também não discrimina o fechamento de empresas por tamanho. Mas, de acordo com dados da pasta, 682,8 mil empreendimentos de todos os portes encerraram as atividades nos primeiros oito meses do ano. É um número considerável, do qual boa parte deve ser de MEIs, mas é 54% menor do que o total de empresas abertas no País até o fim de agosto.
“O desemprego está levando as pessoas a se tornarem empreendedoras. Não por vocação genuína, mas pela necessidade de sobrevivência”, afirma o presidente do Sebrae Nacional, Carlos Melles, ex-deputado federal pelo DEM. “Boa parte dos trabalhadores com carteira assinada que ficaram desempregados neste ano não voltará a ter emprego e está virando trabalhador independente”, diz o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto de Direito Público (IDP) e pesquisador na Universidade de Lisboa. “O empregador não quer mais contratar com carteira assinada e o trabalhador não vai ficar esperando surgir uma vaga”.
“Não tem coisa melhor do que ser dono do seu tempo e poder fazer em 12 horas duas ou três atividades diferentes – ”Carlos Melles, presidente do Sebrae.
Apesar de os sindicatos ainda defenderem uma legislação trabalhista mais rígida, um número crescente de trabalhadores parece preferir a liberdade de trabalhar por conta própria e dá de ombros para a CLT (Consolidação da Legislação do Trabalho), criada por Getúlio Vargas em 1943 e ainda em vigor. Uma pesquisa realizada recentemente pelo Ibope com mil entregadores do IFood, Uber, Eats e Rappi mostrou que 70% preferem o modelo de trabalho flexível oferecido pelos aplicativos de entrega e a possibilidade de escolher os horários de trabalho e de poder trabalhar com várias empresas do que ter carteira assinada, para receber benefícios como 13º salário, férias remuneradas e FGTS.
“A reforma trabalhista , a ampliação da terceirização, esses avanços têm contribuído para melhorar a percepção do brasileiro de que, na verdade, não tem coisa melhor do que ser empresário dele mesmo e ser dono do seu tempo, poder fazer em 12 horas duas ou três atividades diferentes”, afirma Melles. “A gente está apostando que o aumento da procura pelo trabalho independente, com liberdade, veio para ficar”.
É como afirmou Tim Draper, veterano investidor do Vale do Silício, em entrevista recente ao repórter Bruno Capelas, do Estadão: “Nunca houve uma época tão boa para ser empreendedor, especialmente num país pobre. Hoje, quase todo mundo tem smartphone e eles servem como janelas para o mundo. Tudo é possível a partir daí.”
Incorporação do home office
Se houve uma mudança que entrou para valer na vida dos profissionais e das empresas durante a pandemia, essa mudança foi o home office. Embora já estivesse no radar e fosse adotado em alguma medida antes da crise, ainda havia muita desconfiança e resistência das empresas – e mesmo entre os trabalhadores – em relação ao sistema.
Mas, com a adoção das medidas de isolamento social e o fechamento compulsório dos escritórios, não houve alternativa. Da noite para o dia, as empresas tiveram de adotar o trabalho remoto, em maior ou menor grau, para continuar funcionando – e o resultado foi melhor do que se poderia imaginar.
Impulsionado pelo uso intensivo da tecnologia, que já estava disponível, mas era incorporada de forma mais lenta no dia a dia dos negócios, o home office mostrou a sua eficácia e deverá se manter na rotina de trabalho no pós-pandemia.
Segundo várias pesquisas realizadas sobre o tema, ao menos um terço das empresas pretende manter, integral ou parcialmente, o trabalho remoto depois da crise. Ao mesmo tempo, de acordo com as pesquisas, a maioria dos trabalhadores deseja continuar a trabalhar exclusivamente em home office ou ir apenas ocasionalmente ao local de trabalho. Uma parcela dos empregados – cerca de 10% dos entrevistados – chega a afirmar que não aceitaria trabalhar numa empresa que não ofereça o home office como opção aos funcionários.
“Foi uma mudança forçada de hábitos e de comportamento. Ninguém estava preparado para isso. Mas o paradigma mudou”, diz o economista Gabriel Pinto, autor do livro Passaporte para o Futuro (Edições Cândido, 2020), que aborda a metamorfose que está acontecendo no mundo do trabalho com a digitalização e a robotização das atividades.
Para as empresas, o home office permitiu corte de custos com energia, comunicações, segurança, transporte e viagens.
Além de ter funcionado bem durante a quarentena, o home office trouxe uma série de vantagens, ainda não dimensionadas com precisão, que deverão contribuir para alavancar a sua incorporação definitiva no dia a dia do trabalho.
Para as empresas, o sistema permitiu uma redução considerável de custos com energia elétrica, comunicações, segurança, transporte e viagens. Mostrou também que, provavelmente, elas não precisarão de tantos metros quadrados de escritórios no futuro e poderão reduzir o tamanho de suas sedes, cortando o gasto com aluguel ou a imobilização patrimonial.
Para os empregados, o trabalho remoto permitiu uma redução do número de horas perdidas no trânsito e dos gastos com transporte e alimentação, além de uma maior convivência com a família. Permitiu também o uso de roupas mais casuais e a redução de despesas com a compra de roupas sociais, que em geral são bem mais caras. Fora isso, ainda abriu a possibilidade de as pessoas mudarem das grandes cidades, para melhorar a qualidade de vida, sem ter de trocar de emprego.
“Muitos empresários viram que é possível fazer home office sem nenhuma perda para as empresas” – Júlio Sérgio Gomes de Almeida, economista e diretor executivo do Iedi
“O home office foi benéfico para todo mundo”, afirma Pinto. “Qual a diferença de trabalhar em casa, no sítio ou na praia, no Brasil ou na Alemanha?”, diz o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Muitos empresários com os quais tive oportunidade de conversar viram que é possível fazer home office sem haver nenhuma perda para as empresas.”
O sucesso do home office na pandemia, porém, não significa que o sistema será usado por todos os trabalhadores e que vai continuar nos mesmos moldes nos próximos meses e anos. Com a flexibilização do isolamento social, o nível de trabalho remoto já caiu – e deverá cair ainda mais com o passar do tempo. Mas isso não significa também que vamos voltar à situação do pré-pandemia.
“O futuro do trabalho será híbrido, com algumas pessoas trabalhando nos escritórios e outras trabalhando remotamente. Vai haver também pessoas utilizando os dois modelos em diferentes dias da semana, trabalhando alguns dias no escritório e outros, em casa”, afirma Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace, plataforma de digitalização das relações de trabalho do Facebook.
“Cada setor vai ter graus diferentes de trabalho remoto”, diz Monica Lee, diretora da Jones Lang LaSalle (JLL), empresa internacional de consultoria imobiliária na área comercial.“Dependendo do tipo de atividade, isso funciona melhor ou não tão bem. Mas em todas as empresas a gente nota que o trabalho remoto veio mesmo para ficar.”
Daqui para a frente, será preciso encontrar formas de ampliar a integração de quem trabalha remotamente.
Em tese, segundo uma pesquisa recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado ao Ministério da Economia, cerca de 20 milhões de pessoas, o equivalente a um quinto da mão de obra, têm condições de trabalhar remotamente no País. Obviamente, tal contingente exclui os trabalhadores que atuam no “chão de fábrica”, centros de distribuição de mercadorias e no varejo, atendendo clientes nas lojas, um grupo que representa perto de 80% da força de trabalho.
Há um consenso entre os analistas de que os trabalhadores da área administrativa e da área de telemarketing estão mais habilitados, pela natureza de suas atividades, a trabalhar em home office. De acordo com Marcandali, as empresas que prestam serviços digitais também vão ter um índice mais alto de trabalho remoto, assim como os trabalhadores das áreas jurídica e financeira. Até o recrutamento de pessoal, em sua visão, poderá ser feito de forma remota, ampliando o acesso de candidatos que não vivem na mesma cidade em que se situam as sedes das empresas, hoje excluídos do processo, às vagas disponíveis.
Agora, em meio a tantos pontos positivos, o home office trouxe também alguns desafios, que terão de ser enfrentados pelas empresas e pelos profissionais quando a poeira baixar. Como a mudança foi repentina, nem sempre houve tempo para lidar com as dificuldades. Será preciso, por exemplo, encontrar formas de ampliar a integração e a colaboração entre os funcionários e entre as equipes e seus líderes, que tendem a diminuir com o trabalho remoto, prejudicando a criatividade e a inovação, essenciais para o desenvolvimento profissional e dos negócios.
“Aquele cafezinho em que você encontrava um colega, aquela conversa no corredor com quem pouco você fala, agora não tem mais e isso acaba dificultando a integração”, afirma o economista Gabriel Pinto, autor do livro Passaporte para o Futuro (Edições Cândido, 2020). “No mundo virtual, você vai precisar de plataformas que potencializem a colaboração, a sinergia e a humanização que tínhamos no escritório, para não haver uma perda do outro lado”, afirma Marcandali. “De nada adianta ter essas ferramentas incríveis se a gente não souber lidar com o ser humano”, diz Marcandali. É uma preocupação que promete demandar uma atenção especial das empresas nos próximos meses e anos.
Escritórios menores
Durante décadas, os escritórios foram um símbolo de status para as empresas. Quanto maiores e mais luxuosos, modernos e bem localizados, mais eles demonstravam a força financeira e o poder de uma empresa. De repente, na pandemia, tudo isso ficou em xeque.
Com a adoção compulsória do home office na quarentena, os escritórios ficaram desertos – e, para surpresa geral, as empresas continuaram a funcionar sem grandes dificuldades. Isso levou companhias de todos os portes, mas especialmente as mais robustas, a questionar se precisam, efetivamente, de todo o espaço de que dispunham e a estudar medidas para gastar menos com aluguel ou para reduzir a imobilização patrimonial. Algumas empresas conseguiram agir rapidamente e já devolveram a área que ocupavam antes da crise, mudando-se para locais menos valorizados, ou parte dela – uma tendência que deverá se acentuar nos próximos meses e anos.
O mercado já dá sinais do que vem por aí. Em São Paulo, segundo dados da Jones Lang LaSalle (JLL), empresa internacional de consultoria imobiliária na área comercial, a demanda por escritórios de alto padrão caiu em todas as regiões nobres da cidade no segundo e no terceiro trimestres de 2020. A exceção foi a Av. Faria Lima, na zona sul, onde a absorção da oferta se manteve positiva.
Na região da Av. Luís Carlos Berrini e na Vila Olímpia, também na zona sul da cidade, houve a devolução de 46.000 metros quadrados e de 11.000 mil metros quadrados de escritórios, respectivamente, entre abril e setembro.“Na primeira fase da quarentena, muitos escritórios negociaram descontos e diferimentos pontuais, mas agora a gente está entrando num segundo estágio, em que as empresas viram que o trabalho remoto funciona e estão avaliando em que medida cada setor poderá seguir em home office e qual será o efeito disso em suas atividades”, diz Mônica Lee, diretora da JLL.
Segundo Mônica, esse movimento deverá ter um impacto nos preços dos aluguéis e no setor de construção civil, com mudanças no perfil dos escritórios de alto padrão. “Como a gente tem projeção de vacância, é bem provável que nos próximos trimestre as negociações aconteçam em condições mais flexíveis”, afirma.
Nos próximos meses e anos, quando a pandemia estiver sob controle e os escritórios voltarem a ser uma alternativa segura, os ambientes de trabalho coletivo deverão ter outra configuração. “O papel do escritório poderá ser o de proporcionar experiências corporativas, espaços de criação, para reuniões mais colaborativas”, diz Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace, plataforma de digitalização das relações de trabalho do Facebook.
“As sedes das empresas deverão ter uma função mais social do que de trabalho” – Mônica Lee, diretora da JLL
Na visão de Mônica, as sedes das empresas deverão ser menores e funcionar como um hub para integração e conexão de funcionários, com uma função mais social do que de trabalho. Além disso, deverá haver uma descentralização dos escritórios, com a criação dos chamados squads, em bairros mais próximos às residências dos funcionários, para que eles não tenham de ir sempre ao quartel general. Os escritórios e as sedes das empresas certamente continuarão a existir no futuro, mas deverão ser bem diferentes do que eram antes da pandemia.
Videoconferências no dia a dia
Durante a quarentena, com milhões de pessoas em home office, as reuniões virtuais por videoconferência se tornaram uma ferramenta indispensável para as empresas se manterem em atividade e seus funcionários e líderes se comunicarem, traçarem estratégias e entrarem em contato com clientes e fornecedores.
De repente, aplicativos que já estavam disponíveis antes da crise, mas eram usados apenas de forma ocasional ou talvez nem isso, como Zoom, Microsoft Teams Google Meets e até o velho Skype, passaram a fazer parte do dia a dia de milhões de trabalhadores, no Brasil e no mundo. Foi um movimento tão intenso e tão bem sucedido que é difícil imaginar a nossa vida sem eles, mesmo quando a pandemia passar.
Graças à tecnologia, em boa medida, foi possível atravessar a fase mais aguda de isolamento social como se os escritórios estivessem funcionando normalmente. Ficou claro, em muitos casos, que é possível se conectar de forma virtual com qualquer um, em qualquer lugar do mundo, para fechar negócios, alinhar ideias e desenvolver relacionamentos de trabalho, sem perder produtividade.
“Num mundo digital, você é capaz, se tiver uma banda larga, de ficar mais próximo de alguém que está do outro lado do mundo do que de quem está perto”, afirma o economista Gabriel Pinto, autor do livro Passaporte para o Futuro (Edições Cândido, 2020). “Sempre vai haver reunião presencial, mas com a opção do acesso remoto e uma presença de vídeo cada vez maior”, diz Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace, plataforma de digitalização das relações de trabalho do Facebook.
Além de encurtar as distâncias e de permitir a participação de centenas de pessoas na conversa e uma maior interação entre os participantes do que na comunicação por telefone, as videoconferências trazem uma economia de custos substancial para as empresas com viagens, transporte, hotéis e alimentação em tarefas fora do escritório. Há também um ganho considerável de tempo para todo mundo.
“A pandemia promoveu a aceleração de novos hábitos, como a realização de reuniões via videoconferência, que aumentam enormemente a produtividade”, afirma o economista Adriano Pitoli, ex-diretor de análise setorial e regional da Tendências Consultoria e ex-chefe do núcleo da Secretaria de Indústria e Comércio do Ministério da Economia em São Paulo. “Isso não tem mais volta.”
Webinars em série
Antes da pandemia, ir a um seminário a respeito de um tema de seu interesse ou a uma palestra com algum “fera” em seu campo de atuação era um ritual do qual poucos profissionais abriam mão. Não só para ver e ouvir de perto as ideias dos debatedores, mas também pela oportunidade de encontrar profissionais de outras empresas e trocar ideias sobre os negócios e os assuntos em pauta. Muita gente viajava para outra cidade e até para outro País para acompanhar as apresentações presencialmente.
Alguns eventos já eram transmitidos pela internet ou gravados para ser compartilhados depois, mas a iniciativa ainda não tinha decolado para valer no País. De repente, com as restrições impostas à realização de eventos presenciais durante a quarentena, os webinars e as palestras digitais se multiplicaram e se popularizaram, transformando a área de eventos corporativos para sempre.
Os webinars não têm o charme nem o burburinho dos coffee breaks. Nem favorecem o networking, que é um dos pontos altos dos eventos presenciais. Mas permitem que você possa assistir a uma apresentação de qualquer lugar e a qualquer hora, ampliando consideravelmente o alcance das apresentações. “O webinar permite o acesso de um evento e de um road show a um público que eles não tinham antes”, afirma Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace, plataforma de digitalização das relações de trabalho do Facebook. “Agora, é possível amplificar muito mais os eventos, para diferentes audiências.”
Obviamente, quando a pandemia passar, os seminários e as palestras presenciais vão voltar a acontecer e a atrair um público fiel. A experiência de acompanhar de perto as apresentações e poder interagir com os participantes presencialmente é insubstituível. Os webinars, porém, conquistaram o seu espaço na vida dos profissionais durante a pandemia e farão parte cada vez maior da nossa rotina de trabalho.
A tendência, de acordo com Marcandali, é de os seminários e palestras serem um misto de eventos presenciais e virtuais. “As pessoas hoje estão muito mais familiarizadas com o consumo de vídeo, ferramentas digitais e lives”, diz. “Para o mundo corporativo se conectar com essa audiência agora ficou muito mais fácil.”
Networking digital
Um dos principais efeitos colaterais da quarentena no mundo do trabalho foi praticamente eliminar os contatos de relacionamento, que são fundamentais para “quebrar o gelo” e aproximar as pessoas. De uma hora para outra, aquele café da manhã ou almoço profissional e aquele papo informal num evento corporativo ficaram inviáveis, deixando muita gente na mão.
Agora, com o relaxamento da quarentena, os encontros de trabalho fora do escritório estão começando a voltar e certamente vão ocupar o seu lugar na rotina dos profissionais. Mas os encontros de trabalho virtuais conquistaram o seu espaço e dificilmente irão perdê-lo daqui para a frente. Ao contrário. A tendência é de eles conquistarem um público cada vez maior.
Embora pareça impossível para os mais velhos, principalmente, fazer networking de forma digital, para os mais jovens, que tiveram uma experiência digital desde cedo, isso não é um problema. De acordo com Adriano Marcandali, diretor para a América Latina do Workplace, plataforma de digitalização das relações de trabalho ligada ao Facebook, a necessidade do contato presencial para desenvolver relações profissionais, é uma questão de geração.
“A nova geração, dos nativos digitais, não tem nem e-mail. Eles têm uma conta no Facebook, no Instagram, no WhatsApp, e vão buscar formas de fazer o seu networking de maneira 100% digital”, afirma. “Vão ter os grupos, os fóruns, as suas comunidades digitais, nas quais vão criar esses relacionamentos, esses vínculos. Vão suprir essa necessidade de forma diferente.”.
Na avaliação do economista Gabriel Pinto, autor do livro Passaporte para o Futuro (Edições Cândido, 2020), é preciso levar em conta também o aspecto cultural nessa questão. Segundo ele, no Brasil há uma resistência maior do que em outros países ao networking digital. “Para a nossa cultura, é difícil fazer isso virtualmente”, diz. “Outras culturas assimilam melhor a falta de proximidade para poder fechar um negócio ou fazer um contato profissional.”
“As pessoas ainda desconfiam do virtual porque, no Brasil, elas desconfiam da sombra” – Gabriel Pinto, economista e autor do livro Passaporte para o Futuro
Pinto afirma que, de acordo com as pesquisas, o Brasil é “o lugar com a maior taxa de desconfiança interpessoal” e o país “que mais acredita em fake news”. Por isso, em sua visão, há uma necessidade maior de proximidade nos contatos de negócios. “As pessoas ainda desconfiam do virtual simplesmente porque no Brasil elas desconfiam da sombra.”
Ainda assim, mesmo que em ritmo mais lento, o networking digital deve ampliar cada vez mais a sua presença no dia a dia do trabalho no pós-pandemia, com os nativos digitais e até os mais analógicos que, eventualmente, venham a aderir ao sistema.
Viagens de trabalho limitadas
Com as medidas de isolamento social, as viagens de trabalho, em especial as de longa distância, caíram praticamente a zero. Aos poucos, com a flexibilização da quarentena, elas estão voltando. Mas dificilmente deverão retornar ao nível de antes da pandemia – e, se voltarem, ainda levará um bom tempo para isso acontecer.
Na pandemia, com a “descoberta” das videoconferências pelas empresas, ficou claro que é possível fazer reuniões de negócios de forma virtual, sem comprometer os resultados. Deu para ver também que as reuniões virtuais permitem uma economia substancial com passagens de avião, hotéis, alimentação em viagem, táxis e aplicativos de transporte urbano. Permitem também uma economia significativa de tempo para fazer tudo isso.
Diante da nova realidade, muitas empresas passaram a avaliar se precisam mesmo que seus funcionários façam tantas viagens quanto faziam antes e estão estudando a adoção das videoconferências de forma permanente na rotina de trabalho.
“As viagens de negócio não vão ser mais as mesmas daqui para a frente”, afirma o economista Gabriel Pinto, autor do livro Passaporte para o Futuro (Edições Cândido, 2020). “Deve haver uma sequela de longo prazo nas viagens de negócios”, diz o economista Adriano Pitoli, ex-diretor de análise setorial e regional da Tendências Consultoria e ex-chefe do núcleo da Secretaria de Indústria e Comércio do Ministério da Economia, em São Paulo.
Segundo Pitoli, a redução nas viagens de trabalho terá um efeito colateral perverso nas empresas aéreas e nos hotéis. Ele lembra que os aeroportos do País receberam pesados investimentos nos últimos anos e provavelmente sofrerão com a redução do tráfego aéreo por uns bons anos. “As viagens de trabalho representam um componente muito importante do negócio tanto para as companhias aéreas quanto para os aeroportos e a área de hotelaria”, afirma.
Na visão do economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, vários negócios que dependem das viagens corporativas terão de ser reinventados e isso levará ao corte de empregos que “não necessariamente” serão absorvidos por outros setores. É uma mudança que, em sua avaliação, “tem um lado negativo que dá medo”.
Roupas casuais para trabalhar
Na quarentena, com a adoção em massa do home office, o “dress code” de trabalho mudou de forma substancial. A formalidade predominante nos escritórios perdeu espaço para as peças mais casuais, mais apropriadas para o trabalho em casa. Mesmo quem tem uma posição executiva deu uma “aliviada” no visual – e é difícil imaginar que, quando tudo isso passar, as coisas vão voltar a ser como no pré-pandemia.
“A gente tinha alguns padrões, que já estavam estabelecidos há muito tempo, e seguia sem pensar. Com todo mundo em home office, as pessoas ficaram mais casuais na maneira de vestir”, diz a empresária e consultora Alice Ferraz, colunista do Estadão e CEO da F*Hits, plataforma de influenciadores digitais nas áreas de moda, beleza e comportamento. “Isso não vai voltar a ser como antes tão rápido. Tenho a sensação de que talvez nem volte.”
Segundo Alice, no Brasil, já predominava uma forma de se vestir mais casual. A nova geração, também, já adotava um código de vestuário bem mais informal. Os executivos, porém, “se vestiam de executivos” e na pandemia acabaram mudando o estilo.
“É esquisito a pessoa estar de terno e gravata numa ‘conference call’, mesmo que seja um executivo, a não ser que tenha um cargo público. As mulheres também não vão usar salto alto para fazer um Zoom”, afirma. “Eu tenho feito Zoom com pessoas que trabalham em banco e em áreas que tinham um ‘dress code’ mais formal antes da pandemia e nunca imaginei que estariam vestidos como estão.”
“O consumo de moda mudou completamente. As marcas terão de se reinventar para se adaptar aos novos tempos” – Alice Ferraz, empresária e CEO da plataforma de influenciadores digitais de moda e beleza F*Hits
Há relatos de executivos que vestem camisas mais casuais com paletó ou uma camisa pólo para trabalhar em casa, mas da cintura para baixo ficam de bermuda e tênis, porque é uma área que não costuma aparecer nas videoconferências. Um executivo contou que manteve o hábito de vestir um ‘costume’ e uma camisa social para trabalhar em casa, mas, em vez de sapato, usava chinelo.
Numa foto que viralizou nas redes sociais, a editora-chefe da Vogue americana, Anna Wintour, aparece em home office vestindo um estiloso moletom vermelho, com uma faixa branca nas laterais, e um suéter vinho de lã, com largas listras pretas horizontais.”Não há nada como estar em casa para um verdadeiro conforto”, disse a jornalista em seu perfil no Instagram.
Alice afirma que a reação das mulheres e dos homens neste caso é bem diferente. “O homem toma um banho, dá uma arrumada básica, e tudo bem. A mulher, mesmo com uma camiseta mais casual, uma roupa mais confortável, e um sapato flat ou uma rasteirinha, quer estar bem apresentada, colocar um acessório, um brinco, um colar”, diz. “Esse ritual de a mulher se arrumar a anima a passar o dia trabalhando em casa.”
A mudança no guarda-roupa na pandemia traz também alguns efeitos colaterais, que deverão ter um efeito de longo prazo na indústria da moda. As roupas casuais, em geral, são bem mais baratas do que as sociais, reduzindo sensivelmente os gastos dos profissionais com vestuário. “O consumo de moda mudou completamente”, afirma Alice. “Quando a pandemia, passar vamos ter de entender até que ponto será uma mudança permanente e como as marcas terão de se reinventar para se adaptar aos novos tempos.” Fonte: Estadão.
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