O protesto fechou a BR-316, mas a matéria sobre o motivo foi vetada na TV Record/Belém
O jornalista Luiz Gustavo Padrão, que já atuou como repórter da TV Record em Belém e hoje é analista de comunicação social do Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro, além de estudante de Artes Cênicas, enviou para o Ver-o-Fato um relato que bem demonstra a quantas anda o jornalismo local, com suas conveniências político-financeiras impostas pelas empresas de comunicação. Essas conveniências, que se impõem como verdadeira espada de Dâmocles nas redações de jornais, TVs e rádios do Pará, castram o direito de a população ter acesso a informações que não deveriam ser objeto de nenhum tipo de censura, ou autocensura – a pior de todas as censuras.
Vejam o relato de Luiz Gustavo Padrão, que envolve suposta execução de um rapaz, Maurício da Silva Teixeira, de 21 anos, por homens da Rotam e da Polícia Civil. Faria parte da operação que matou o rapaz – segundo a família sem nenhum envolvimento com traficantes – na localidade de Benfica, o então delegado de polícia e hoje deputado federal pelo PSD do Pará, Eder Mauro:
“Se eu não tiver parado de defecar pela boca, fico feliz por ter parado de oferecer, gratuitamente, meu bolo fecal à sociedade. Após 3 anos de abandono, a lembrança me emocionou de forma paradoxal. O amor que tive pela profissão e a decepção que tento esquecer.
determinante para abandoná-lo. Julho de 2012, eu retornava à reportagem
de TV, depois de um ano e meio afastado. Na primeira semana fui cobrir
uma reportagem em Benfica, Região Metropolitana de Belém. Tratava-se da
execução de um ajudante de pedreiro, apontado pela “elite” da Polícia
Civil paraense como suspeito de envolvimento com o tráfico. A população
estava revoltada com o assassinato (execução sumária) do rapaz e chegou a
bloquear parte da BR-316, como forma de protesto.
Cheguei ao
local e colhi depoimentos de moradores e parentes da vítima. Todos
(unanimidade de cerca de 200 moradores) disseram que o rapaz nunca foi
envolvido com o tráfico e que foi executado por engano e de forma
covarde. Um dos moradores me passou um vídeo que mostrava policiais
saindo de dentro do terreno onde ocorreu a morte momentos depois da
execução. Entre os policiais estava o delegado Eder Mauro, chefe do
grupo de polícia metropolitana (GPM) e famoso pelo número de traficantes
mortos em suas operações policiais.
Ele foi apontado pelos
moradores como o executor da vítima. Após colher os depoimentos, fui a
delegacia para ouvir o outro lado, como mandam os melhores e piores
manuais de jornalismo. O delegado Eder Mauro não quis falar sobre o
caso. Escrevi a matéria e fui para TV no início da madrugada. Deixei
todas as sugestões de imagens e de construção da matéria para a edição.
No dia seguinte, na hora do almoço, aguardava a veiculação da reportagem
no jornal mais importante da casa. A matéria não foi ao ar.
Liguei para chefia de reportagem para perguntar o que tinha acontecido. A
chefe de reportagem não soube dar uma resposta concreta. Primeiro disse
que havia ocorrido um problema com a fita onde estavam as imagens
brutas. Eu não aceitei a resposta porque sabia que havia deixado a fita
em perfeitas condições.
Na mesma hora fui à TV para saber o que tinha
acontecido de fato. Quando cheguei na redação, a mesma chefe de
reportagem disse que a matéria não tinha sido aprovada pela direção
geral da emissora pelo fato da Polícia ser “nossa parceira” (palavras da
direção reproduzidas pela chefia).
A “parceria” fez com que a
matéria nunca fosse veiculada. Eu recebi inúmeras ligações dos
moradores, nas quais era chamado de vendido, antiético e parceiro de
policial assassino. A história do rapaz foi para estática de
assassinatos por conflitos armados entre policiais e “traficantes”. Eu
abandonei o jornalismo meses depois, após ser eleito pela direção como
um dos premiados com a demissão coletiva, promovida em dezembro do mesmo
ano. Parei de ler e ver jornais.
Ainda assim, assisti a
vitória do mesmo policial envolvido no caso. Não na justiça, mas nas
urnas. Se tornou “nosso representante” no Congresso Nacional, após ser o
candidato mais votado, escolhido por mais de 250 mil eleitores. Nós,
jornalistas, temos responsabilidade
por isso. Nós o colocamos lá. Nós que aceitamos aquilo que nos é
imposto pela mídia, ou, no caso, que nós impomos por meio da mídia.
Acredito, cada vez mais, que a maioria da prática jornalística, no
mundo e no Brasil, não está exercendo sua função social, abandonando,
consciente ou inconscientemente,
a sua essência. Estamos prestando um desserviço à sociedade. Não
estamos levando informação que provoque a reflexão e o estímulo à
construção de uma sociedade de fato. Estamos enfiando goela abaixo um
produto indigesto, engolido e reproduzido como excremento.
Fica a
esperança de assistir a mudança jornalística e social um dia. Tento
fazer minha parte em outras áreas, sempre atento ao perigo de oferecer
excrementos. Temos sempre algo muito mais palatável e saudável a dar”.
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