Soure, 21 de outubro. “O senador Fonteles nasceu em Soure, no dia 21 de outubro de 1949. Tem a mesma idade que eu” – Apolo Brito pensou. Soure é considerada a capital do Marajó. Se a ilha fosse transformada em território federal, ou em estado, certamente a capital seria Soure, antiga aldeia dos maruanazes e mundis, da tribo dos aruãs. No início do século XVII, com a chegada dos padres de Santo Antônio, a aldeia passou a se chamar Menino Deus.
O nome Soure foi dado pelos primeiros colonizadores portugueses, oriundos de uma vila do distrito de Coimbra, chamada, no tempo dos romanos, de Saurim, por causa da presença de sáurios. Ao perceberem que em Menino Deus também havia muitos jacarés, os colonos resolveram dar esse nome em homenagem à sua terra natal, Saurim, ou Soure. Em 1757, Soure, que fazia parte da Comarca de Monsarás, foi elevada à categoria de vila pelo seu fundador, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, e o décimo nono governador e capitão general do Estado do Maranhão e Grão Pará.
Em 2 de setembro de 1858, o Conselho da Província do Pará determinou que a Câmara de Monsarás marcasse as eleições para a nova Câmara de Soure. A apuração da votação dos vereadores ocorreu em 7 de janeiro de 1859, e no dia 20 do mesmo mês foi feita a instalação definitiva do município de Soure. O município tem 3.512 quilômetros quadrados e tinha 22.244 habitantes, em 2008. A cidade se ergue à margem esquerda do rio Paracauary.
A zona rural é cheia de fazendas, estruturadas para visitação e hospedagem. Há fartura de frutos do mar, queijo de leite de búfala e frutas como cupuaçu, taperebá, bacuri, açaí. Rios, igarapés, praias, são numerosos. Sua praia mais conhecida é a do Pesqueiro, com três quilômetros de extensão. Há também as praias do Céu, Araruna, Mata-Fome, Barra Velha, Caju-Uma. Soure é o paraíso dentro de paraíso.
Reinando sobre cerca de 1.200 ilhas que emergem do Mundo das Águas, no estado do Pará, na Amazônia Oriental, a ilha de Marajó tem 48 mil quilômetros quadrados, a maior do planeta encravada entre a água doce e o mar. Segundo o Departamento de Ciências Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi, os primeiros grupos ceramistas chegaram ao Marajó 3 mil anos antes de Cristo, vindos do Caribe e da Colômbia, descendo a costa paraense até o rio Gurupi, que divide o Pará do Maranhão.
Na ilha, construíram, habitaram e utilizaram como cemitério, tesos (aterros) e sambaquis (aterros de conchas), e produziram peças de cerâmica e utensílios de pedra, osso e concha. Foram identificadas cinco ocupações sucessivas no Marajó. A primeira, conhecida como Ananatuba, habitou a costa norte, entre 1100 e 200 a.C.; a segunda, Mangueiras, conquistou e assimilou a anterior, entre 1000 a.C. e 100 d.C., convergindo para o centro da ilha; a terceira, Formiga, que convergiu para a região do lago Arari, viveu de 100 a 400 d.C. – sua cerâmica era inferior a dos grupos anteriores; a cultura Marajoara ocupou a ilha de 400 até 1350 d.C., também na região do lago Arari; seguiu-se a cultura Aruã, único grupo existente no Marajó quando da chegada dos portugueses, que, a partir de 1500, dizimaram o gentio.
No século XVIII, descobriu-se a cerâmica da mais complexa das culturas que habitaram a grande ilha, a marajoara. Os pesquisadores Mário F. Simões e Fernanda Araújo-Costa identificam 45 sítios arqueológicos na ilha. O mais famoso, visitado e explorado continuamente, há mais de um século, é o sítio-cemitério Pacoval, da fase Marajoara, situado na praia leste do lago Arari, acima da boca do igarapé das Almas. O Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, possui um acervo de cerâmica marajoara inigualável.
Em Icoaraci, produz-se imitação dessa cerâmica em escala. Turistas de todo o mundo aparecem por lá para comprar e ver sua confecção. Há vasos de todos os tamanhos e preços; alguns, belíssimos.
O site ABC Politiko publicara, recentemente, matéria sobre o Marajó: “Se o Marajó é a região mais estonteante da Terra, superando qualquer outra em beleza – inclusive aquela beleza que não identificamos prontamente no horizonte geográfico, mas um estado de espírito, oxigenado também por elementos sutis, como o bamboleio da cabocla dançando carimbó –, o arquipélago de Marajó, em sua crua realidade, é o Inferno Verde.
“Por isso é que a Hidrovia do Marajó seria fundamental para o desenvolvimento do arquipélago e do vizinho estado do Amapá, já que encurtaria pela metade o tempo consumido entre Belém, a mais importante cidade da Amazônia, e Macapá, capital do Amapá, que mantém intensas relações com os belenenses, e reverteria o secular isolamento e empobrecimento da região.
“A obra consistiria tão somente em um canal ligando os rios Atuá e Anajás, que vem sendo poluído por óleo e graxa lançados na água, de embarcações que trafegam na área, e na região há devastação da floresta e dos açaizais para a extração de palmito. A hidrovia acabaria com esses problemas, pois facilitaria a fiscalização das embarcações e das atividades madeireiras e de coletores de palmito.
“A facilidade de acesso que a hidrovia proporcionaria permitiria também a implementação ininterrupta das campanhas de saúde junto às comunidades na parte central do arquipélago, varrido pela malária. Mas foi encontrado um sítio arqueológico durante a elaboração do relatório de meio ambiente da hidrovia, o que embargou a obra.
“Para quem acha que isso é algo portentoso e agressivo ao meio ambiente eu recomendo que faça uma visita, in loco, ou pela internet, ao canal Reno-Danúbio, na Alemanha, concluído há várias décadas e que liga a bacia do rio Reno à bacia do rio Danúbio. O Reno deságua no mar do Norte. O rio Danúbio deságua no mar Negro. Assim, os alemães ligaram o mar do Norte ao mar Negro.
“Trata-se de um canal de 171 quilômetros de extensão, com 66 eclusas, com desníveis fantásticos, tudo em plena operação, no coração da Alemanha, avançando por terras que têm toda uma história pretérita, que vem do tempo do Império Romano, passando por preciosidades arqueológicas e pelo coração de um país que tem um amor pela questão ambiental fantástico.
“A obra foi feita no meio da Alemanha e não gerou absolutamente nenhuma reclamação, no país que mais cuida do meio ambiente no mundo. É necessário para qualquer obra importante, em qualquer lugar e, principalmente, na Amazônia, que se tomem os cuidados para se evitar impactos ambientais de porte. Isso é necessário e existe conhecimento técnico em várias instâncias, neste país, para assessorar a realização de uma obra sempre que isso é necessário.
“O que não se pode aceitar é a visão da redoma. Somos frontalmente contra a visão preservacionista que vê apenas a floresta e esquece as pessoas que moram na floresta, uma posição absolutamente atrasada” – declarou o deputado federal, doutor em geofísica, ex-reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Nilson Pinto, em entrevista para a coluna Enfoque Amazônico.
“A proximidade da Hidrovia do Marajó com o porto de Santana, na zona metropolitana de Macapá, possibilitaria que produtos paraenses, como, por exemplo, açaí, piramutaba, cerâmica de Icoaraci e minérios cheguem aos Estados Unidos, Europa e Japão (via Canal do Panamá) com redução de custo”.
É comum, na região, apresentações de carimbó e lundu. O senador Fonteles estava vendo uma apresentação de carimbó, promovida pelo Museu do Marajó. Apolo Brito observava-o de certa distância. Pouco depois o senador foi encaminhado para o local do comício, numa área central da cidade, onde grande parte da população o aguardava. Houve os discursos iniciais e, por último, foi a vez do senador.
– Senhoras, senhores, jovens de Soure, marajoaras, paraenses, e todos os cidadãos brasileiros aqui presentes, chegou a hora de mudar as coisas aqui no Pará. – Aplausos. – Estivemos sempre sob o jugo dos outros, primeiramente dos estrangeiros e agora de um grupinho dos próprios paraenses, que, em vez de procurar desenvolver o estado, defende os empresários que escravizam, que saqueiam os paroaras. – Aplausos.
– Precisamos voltar à democracia, que é o governo de todos. Todos têm o direito a ter sua casa, a ter o que comer, a proporcionar escola e universidade para seus filhos, mas não é isso que vemos. Assim é que, em 31 de outubro, conto com o voto de vocês para me eleger governador do Pará e mudar o estado de coisas em que o Pará se encontra, e administrar o dinheiro de vocês de forma transparente.
–Precisamos também promover algumas obras fundamentais, como a distribuição de energia elétrica de Tucuruí para todos os 144 municípios do estado, incluindo, é claro, o arquipélago de Marajó. – Aplausos.
– Precisamos construir uma estrada de ferro no traçado da Transamazônica; precisamos instalar um parque para industrializar nosso açaí; precisamos criar infraestrutura turística para atrair dinheiro dos países estrangeiros; precisamos criar um parque siderúrgico; precisamos inaugurar as eclusas de Tucuruí; precisamos de aeroportos internacionais dignos desse nome, em Belém, Santarém, Salinas e Soure. – Aplausos.
– Precisamos recuperar e conservar nossas estradas e hidrovias; precisamos cuidar do saneamento básico das nossas cidades; precisamos criar um setor de inteligência na Polícia Civil; precisamos moralizar as polícias Civil e Militar; precisamos de cursos universitários de biotecnologia, oceanografia, engenharia naval; precisamos criar um parque de indústria naval; precisamos investir em pesquisa e tecnologia; precisamos desenvolver o estado de forma sustentável, sustentável para o ribeirinho, para o caboclo, para os indígenas, para todos; precisamos de salários dignos.
–Essas são prioridades. E há dinheiro para isso. Basta que tenhamos prontos projetos a serem apresentados aos diversos ministérios federais e aos bancos de fomento nacionais e internacionais. E esses projetos já estão prontos. No meu primeiro dia de governo, dia 1 de janeiro, todos esses projetos serão encaminhados, porque eles já foram revisados ao esgotamento e estão legitimados para chegar aos seus destinatários.
–Vou também dar prosseguimento à assistência social promovida atualmente pelos governos federal e estadual, mas várias equipes de profissionais, qualificados, percorrerão todo o estado, e rapidamente, fazendo o levantamento real da situação de todos os paraenses, para que injustiças não continuem a ser perpetradas, para que o dinheiro chegue aos que precisam de ajuda para melhorar de vida e não para se dedicar ao ócio e ao alcoolismo.
–Também vamos criar um setor policial especializado em fronteiras, para ajudarmos a combater o tráfico de drogas, de crianças e mulheres para escravidão sexual – muitos aplausos.
– Não vamos perseguir ninguém. Apenas queremos arrumar o estado para que os paraenses possam crescer e se desenvolver em um estado rico. Nós, querido povo de Soure, minha terra natal, somos a região mais privilegiada do planeta. Temos a maior biodiversidade da Terra, temos mar e montanha, e o maior rio do mundo. Somos a região mais esplendorosamente rica em peixes, frutos do mar e do mar doce, somos ricos em frutas, em minerais, e nossos rebanhos são imensos; temos portos naturais e milhares de quilômetros de rios navegáveis, e mar. Nossa costa atlântica é estonteante. E temos também o Marajó, a maior pérola do mundo, emergindo de águas salobras.
O senador Fonteles fez uma pausa, que se alongou, pareceu excessiva. Ele não estava passando bem e foi encaminhado para a saída do palanque, sob aplausos. Apolo Brito correu para lá. Era apenas um mal-estar. O senador, dona Eleonora, Juliane e Gilberto foram para a pousada onde estavam hospedados.
“Phyllobates terribilis não provoca mal-estar. Mata” – Apolo Brito pensou. “Acho que o caso Soure está encerrado. Amanhã cedo o senador e sua comitiva partirão para Belém. Só me resta Mexiana. Eu também estou me sentindo mal com este tempo abafado. Vai cair um baita temporal!”
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