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José Augusto Guilhon *
Existe amplo consenso sobre a necessidade emergencial de se
votar uma agenda positiva no Congresso. Não fica muito claro por quê,
mas desconfio que seja para poupar o governo Temer de um pretenso
colapso. Por que, então, a excepcionalidade de adotar tal agenda
positiva, uma vez que esse é o dever cotidiano de todo governo?
votar uma agenda positiva no Congresso. Não fica muito claro por quê,
mas desconfio que seja para poupar o governo Temer de um pretenso
colapso. Por que, então, a excepcionalidade de adotar tal agenda
positiva, uma vez que esse é o dever cotidiano de todo governo?
Todas as vezes que se falou de “agenda positiva” no governo
passado – e foram muitas – a súplica veio sempre de dentro da própria
coalizão de governo e geralmente era contemplada com algum tipo de novo
ou ampliado privilégio, endereçado à indústria, ao setor financeiro, aos
sindicatos, ao Congresso – já amplamente contemplados pelas benesses
governamentais.
passado – e foram muitas – a súplica veio sempre de dentro da própria
coalizão de governo e geralmente era contemplada com algum tipo de novo
ou ampliado privilégio, endereçado à indústria, ao setor financeiro, aos
sindicatos, ao Congresso – já amplamente contemplados pelas benesses
governamentais.
Para a imensa maioria dos que não eram comensais dessa
mesa e, não por acaso, pagavam e continuam a pagar a maior parte do seu
custo, tais agendas foram sentidas como uma bofetada. E isso, entre outras coisas, levou ao colapso do governo de Dilma Rousseff.
mesa e, não por acaso, pagavam e continuam a pagar a maior parte do seu
custo, tais agendas foram sentidas como uma bofetada. E isso, entre outras coisas, levou ao colapso do governo de Dilma Rousseff.
Para evitar tal desfecho bastaria inverter os destinatários da
agenda, tornando-a positiva para a imensa maioria e profundamente
negativa para os privilegiados? Não é o caso da agenda apontada
consensualmente pelos que hoje fazem dela uma panaceia.
agenda, tornando-a positiva para a imensa maioria e profundamente
negativa para os privilegiados? Não é o caso da agenda apontada
consensualmente pelos que hoje fazem dela uma panaceia.
Assim sendo,
temos de buscar uma agenda que atinja profundamente os privilégios
garantidos aos grandes e bancados pelo dinheiro do contribuinte, porque
só assim poderemos esperar que a imensa maioria esteja disposta a pagar o
preço das reformas que, afinal, atingem o que consideram seus
“direitos”.
temos de buscar uma agenda que atinja profundamente os privilégios
garantidos aos grandes e bancados pelo dinheiro do contribuinte, porque
só assim poderemos esperar que a imensa maioria esteja disposta a pagar o
preço das reformas que, afinal, atingem o que consideram seus
“direitos”.
A agenda hoje tramitando no Congresso – independentemente de seu
conteúdo e de seus esperados benefícios – só é percebida como positiva
pela elite e, ainda assim, por parcela da elite. Comecemos pelo próprio
Congresso. Descontadas as diferenças entre Senado e Câmara, parcela
significativa das duas Casas continua encarando as reformas como uma
pauta do governo, e não da Nação.
conteúdo e de seus esperados benefícios – só é percebida como positiva
pela elite e, ainda assim, por parcela da elite. Comecemos pelo próprio
Congresso. Descontadas as diferenças entre Senado e Câmara, parcela
significativa das duas Casas continua encarando as reformas como uma
pauta do governo, e não da Nação.
Muitos ainda não entenderam que sua
sobrevivência política está irremediavelmente atada ao sucesso das
reformas e à sobrevivência do governo como força política real, com
capacidade de influenciar positivamente a sucessão presidencial,
evitando, assim, o efeito Sarney, isto é, a eleição de um aventureiro
populista ou golpista.
sobrevivência política está irremediavelmente atada ao sucesso das
reformas e à sobrevivência do governo como força política real, com
capacidade de influenciar positivamente a sucessão presidencial,
evitando, assim, o efeito Sarney, isto é, a eleição de um aventureiro
populista ou golpista.
Tal agenda só é positiva para uma pequena minoria, preocupada com
a sobrevivência do Estado brasileiro como nação independente; ou que
pretende evitar que as próximas eleições produzam um monstro aventureiro
(como aconteceu na sucessão de José Sarney); ou teme um colapso que
poderia contagiar seus próprios negócios, ou sua carreira política; ou
ainda que teme os efeitos que o fracasso do ajuste fiscal fatalmente
provocaria sobre sua liberdade, sua família e seus bens. Uma frente
bastante heterogênea de setores da elite.
a sobrevivência do Estado brasileiro como nação independente; ou que
pretende evitar que as próximas eleições produzam um monstro aventureiro
(como aconteceu na sucessão de José Sarney); ou teme um colapso que
poderia contagiar seus próprios negócios, ou sua carreira política; ou
ainda que teme os efeitos que o fracasso do ajuste fiscal fatalmente
provocaria sobre sua liberdade, sua família e seus bens. Uma frente
bastante heterogênea de setores da elite.
A elite empresarial também está profundamente dividida, e parte
dela comprometida com o escândalo de corrupção de dimensões abissais que
presenciamos. A parcela que não está pura e simplesmente comprometida
com a corrupção das empreiteiras se comprometeu até o gorgomilo com as
agendas positivas nefastas que levaram o País precisamente à crise
atual.
dela comprometida com o escândalo de corrupção de dimensões abissais que
presenciamos. A parcela que não está pura e simplesmente comprometida
com a corrupção das empreiteiras se comprometeu até o gorgomilo com as
agendas positivas nefastas que levaram o País precisamente à crise
atual.
Assim sendo, embora possa ser considerada a parcela da sociedade
mais bem aquinhoada pelas reformas, que lhe garantiriam um ambiente
juridicamente mais seguro e economicamente mais equilibrado para
investir, a elite empresarial permanece inerte, perdida em suas próprias
ambiguidades.
mais bem aquinhoada pelas reformas, que lhe garantiriam um ambiente
juridicamente mais seguro e economicamente mais equilibrado para
investir, a elite empresarial permanece inerte, perdida em suas próprias
ambiguidades.
Quanto à magistratura e às corporações investigativas – polícia e
procuradorias –, a crer em seus porta-vozes mais ativistas, sua
insatisfação e sua oposição sistemática e impiedosa ao regime
representativo estabelecido em nossa Constituição fala por si só. Chegam
a negar, abertamente, a prerrogativa de legislar da representação
nacional.
procuradorias –, a crer em seus porta-vozes mais ativistas, sua
insatisfação e sua oposição sistemática e impiedosa ao regime
representativo estabelecido em nossa Constituição fala por si só. Chegam
a negar, abertamente, a prerrogativa de legislar da representação
nacional.
Não apenas as reformas essenciais ao ajuste fiscal encontram
nessas corporações pouquíssimos porta-vozes que as defendam, como entre
seus representantes se contam os mais aguerridos defensores dos
privilégios que os distinguem do cidadão comum.
nessas corporações pouquíssimos porta-vozes que as defendam, como entre
seus representantes se contam os mais aguerridos defensores dos
privilégios que os distinguem do cidadão comum.
A grande conquista da implementação efetiva do princípio da
igualdade de todos perante a lei – obtida parcial e timidamente no
julgamento do mensalão e grandemente confirmada pelos sucessos da
força-tarefa da Lava Jato – tornou-se, infelizmente, um pretexto para
desqualificar qualquer opinião divergente dos interesses do grupo sobre
questões legais.
igualdade de todos perante a lei – obtida parcial e timidamente no
julgamento do mensalão e grandemente confirmada pelos sucessos da
força-tarefa da Lava Jato – tornou-se, infelizmente, um pretexto para
desqualificar qualquer opinião divergente dos interesses do grupo sobre
questões legais.
Tal é o caso dos limites do emprego da condução
coercitiva, da legitimidade de praticar atos ilegais com a finalidade de
obter provas e do uso de testes maliciosos para revelar inclinações
íntimas de pessoas investigadas, para dar apenas alguns exemplos de
questões controversas cuja discussão, quando fora dos padrões aceitos
pela direção da força-tarefa, tem sido tachada de tentativa de
atrapalhar ou “impactar” a Lava Jato.
coercitiva, da legitimidade de praticar atos ilegais com a finalidade de
obter provas e do uso de testes maliciosos para revelar inclinações
íntimas de pessoas investigadas, para dar apenas alguns exemplos de
questões controversas cuja discussão, quando fora dos padrões aceitos
pela direção da força-tarefa, tem sido tachada de tentativa de
atrapalhar ou “impactar” a Lava Jato.
Vê-se, assim, o quanto seria árduo reunir a maioria da elite em
torno de uma agenda unificada. Mais árduo ainda, porém, seria uni-la em
torno de uma agenda percebida como positiva pela imensa maioria, e não
rejeitada, como hoje, por 80% dos cidadãos comuns.
torno de uma agenda unificada. Mais árduo ainda, porém, seria uni-la em
torno de uma agenda percebida como positiva pela imensa maioria, e não
rejeitada, como hoje, por 80% dos cidadãos comuns.
Não estou propondo reverter as reformas e manter privilégios
odiosos e benesses que não podemos pagar, por mais justos que possam ser
considerados (e nunca o serão por todos). Talvez eu tenha a ingenuidade
de pensar que o povo não é tolo, e sim convenientemente mantido na
ignorância das informações relevantes. Penso, ao contrário, que a grande
maioria entende a profundidade da crise e percebe bem ou mal a sua
origem.
odiosos e benesses que não podemos pagar, por mais justos que possam ser
considerados (e nunca o serão por todos). Talvez eu tenha a ingenuidade
de pensar que o povo não é tolo, e sim convenientemente mantido na
ignorância das informações relevantes. Penso, ao contrário, que a grande
maioria entende a profundidade da crise e percebe bem ou mal a sua
origem.
A única maneira de essa maioria aceitar a legitimidade de seu
sacrifício é se puder constatar que os privilégios materiais e as
mordomias da magistratura, dos legisladores, dos militares e policiais,
dos procuradores, dos sindicatos… – creio que estou sendo claro –
serão imolados na mesma fogueira que vai consumir os seus parcos meios
de vida.
sacrifício é se puder constatar que os privilégios materiais e as
mordomias da magistratura, dos legisladores, dos militares e policiais,
dos procuradores, dos sindicatos… – creio que estou sendo claro –
serão imolados na mesma fogueira que vai consumir os seus parcos meios
de vida.
* José Augusto Guilhon Albuquerque é cientista político, professor titular da Universidade de São Paulo (USP)
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