O dr. Pangloss, personagem de Voltaire na obra prima da literatura universal “Cândido, ou o Otimismo”, dizia sempre que vivemos no melhor dos mundos possíveis. Voltaire, com seu sarcasmo, dá uma estocada no verdadeiro autor da frase, o filósofo alemão Gottfried Wilhelm von Leibniz, para quem a vida é sempre uma maravilha. Na obra, Voltaire narra as desventuras de Cândido, um rapaz puro e ingênuo. A desgraça de Cândido começa quando ele é expulso do castelo de seu protetor, o barão da Vestfália, acusado de namorar Cunegundes, a filha do nobre. O jovem sai pelo mundo sem eira nem beira, testemunhando as maldades, os horrores da condição humana, as guerras, um terremoto. O dr. Pangloss, tutor de Cândido, durante todo o desenrolar do livro, mesmo nos momentos em que ele é preso, torturado e humilhado, tenta convencê-lo de que a vida é bela e que não existe efeito sem causa.
Mas o que vem a ser o otimismo? Essa pergunta foi um dia
formulada por Cacambo, outro personagem do livro, a Cândido. Este, com as ilusões já
balzaquianamente perdidas, respondeu com singeleza: “é a mania de
sustentar que tudo vai bem quando tudo vai mal…”. O que diria o dr. Pangloss, hoje, se soubesse que um grupo de 62 bilionários tem uma fortuna igual a de 3,6 bilhões de pessoas mais pobres do mundo. Esse clube de ricaços é dono de um patrimônio estimado
em US$ 1,762 trilhão (R$ 6,8 trilhões) em 2015, segundo a revista “Forbes”. Do grupo fazem
parte dois brasileiros – Jorge Paulo Lemann e Joseph Safra.
A organização não governamental Oxfam, que levantou esse abismo entre barões e miseráveis do mundo, vai apresentar essa pesquisa nesta quarta-feira (20)
no Fórum Econômico Mundial de Davos. O estudo, que se baseia no levantamento anual da riqueza internacional
feita pelo banco Credit Suisse, mostra ainda que a desigualdade se
aprofundou nos últimos anos.
Em 2010, eram 388 os bilionários que tinham
o equivalente à soma do patrimônio da metade da população mais pobre do
mundo. O grupo foi reduzido para 177 em 2011; 92 em 2013; e 80 pessoas
em 2014. Desde 2010, a riqueza conjunta da metade mais pobre da população mundial
encolheu em US$ 1 trilhão. No mesmo período, o patrimônio dessas 62
pessoas mais ricas cresceu em US$ 500 milhões e a população mundial
aumentou em 400 milhões de pessoas, segundo o estudo.
No ano passado, a Oxfam advertiu em Davos que o 1% mais rico da
população mundial passaria a ter mais que os 99% restantes da população.
A organização vai mostrar que isso ocorreu ainda em 2015. Segundo Katia Maia, representante da Oxfam no Brasil, a estrutura
tributária global é um dos fatores que aumentam a desigualdade.
Ela afirma que a camada mais rica tem acesso às menores alíquotas de
impostos, além de poderem se beneficiar de paraísos fiscais, enquanto os
pobres são submetidos a taxações elevadas.
A Oxfam vai defender em Davos o fim dos paraísos fiscais, argumentando
que eles abrigam US$ 7,6 trilhões -3% dos US$ 250,1 trilhões da riqueza
mundial, segundo o Credit Suisse.
O dr. Pangloss ergueria um brinde a essa pesquisa. Afinal, esse é mesmo o melhor dos mundos possíveis. Para os 62 ricaços que tem mais dinheiro do que 70% de desvalidos do planeta.
Como diria uma novela da Globo: “êta mundo bom”.
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