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Oswaldo Coimbra*
Dez Maracanãs
seriam necessários para acomodar todo o antigo público da Playboy,
naqueles anos de 1990. Maciçamente masculino, e, com gosto por mulheres
nuas, publicadas no meio de contos, entrevistas e reportagem de alta
qualidade. Cerca de um milhão e seiscentos mil leitores, nas mãos dos
quais circulavam os 400 mil exemplares da tiragem mensal da revista.
seriam necessários para acomodar todo o antigo público da Playboy,
naqueles anos de 1990. Maciçamente masculino, e, com gosto por mulheres
nuas, publicadas no meio de contos, entrevistas e reportagem de alta
qualidade. Cerca de um milhão e seiscentos mil leitores, nas mãos dos
quais circulavam os 400 mil exemplares da tiragem mensal da revista.
Pela primeira vez aquele gigantesco público iria se defrontar com a
identificação, dentro das páginas da revista, do macho brasileiro
marcado por uma maldição: a de ser mal-amado. Eternamente incapaz de
despertar amor nas mulheres que ama.
identificação, dentro das páginas da revista, do macho brasileiro
marcado por uma maldição: a de ser mal-amado. Eternamente incapaz de
despertar amor nas mulheres que ama.
Para a quebra daquele tabu,
Playboy escalou uma profissional do primeiro time da Psicanálise em São
Paulo: Maria Rita Kehl, a diva por quem sonhavam os jovens psicanalistas
da Avenida Paulista.
Playboy escalou uma profissional do primeiro time da Psicanálise em São
Paulo: Maria Rita Kehl, a diva por quem sonhavam os jovens psicanalistas
da Avenida Paulista.
Com o texto dela, Playboy ia ganhar
vocabulário afiado, preciso e atrevido na expressão de uma crueza
visceral, como a de Bukowsky, ícone da marginalidade iconoclasta
americana. Anos antes, Kehl havia escolhido o seguinte título para seu
livro de poesias: “O amor é uma droga pesada”.
vocabulário afiado, preciso e atrevido na expressão de uma crueza
visceral, como a de Bukowsky, ícone da marginalidade iconoclasta
americana. Anos antes, Kehl havia escolhido o seguinte título para seu
livro de poesias: “O amor é uma droga pesada”.
Para Playboy, ela
preparou o artigo “Amantes mal-amados”. Abriu-o com um alerta aos
leitores: o amor é injusto e contraria o bom senso. Depois, ela
repetiria isto várias vezes.
preparou o artigo “Amantes mal-amados”. Abriu-o com um alerta aos
leitores: o amor é injusto e contraria o bom senso. Depois, ela
repetiria isto várias vezes.
No primeiro rol de mal-amados, Kehl
pôs os homens inseguros, com medo de se mostrarem tais como são. Pois, –
admitiu -, os que sabiam confessar sua insegurança com charme não
ficavam sozinhos.
pôs os homens inseguros, com medo de se mostrarem tais como são. Pois, –
admitiu -, os que sabiam confessar sua insegurança com charme não
ficavam sozinhos.
Outro magote: o dos fissurados. Mulheres não
suportam “caçador faminto, sôfrego, babão”, ela escreveu. Os que estão
loucos para arrumar uma fêmea despertam a suspeita nelas de que alguma
coisa deve estar errada com eles. Neste trecho, ela lembrou a frase do
psicanalista argentino Ricardo Goldenberg: “Ninguém te quer quando você
está em liquidação”.
suportam “caçador faminto, sôfrego, babão”, ela escreveu. Os que estão
loucos para arrumar uma fêmea despertam a suspeita nelas de que alguma
coisa deve estar errada com eles. Neste trecho, ela lembrou a frase do
psicanalista argentino Ricardo Goldenberg: “Ninguém te quer quando você
está em liquidação”.
Não que as mulheres não fossem generosas. Elas
eram. De um modo que os homens estavam longe de corresponder. Mas
exclusivamente no que se referia à aceitação de seus aspectos físicos e
intelectuais.
eram. De um modo que os homens estavam longe de corresponder. Mas
exclusivamente no que se referia à aceitação de seus aspectos físicos e
intelectuais.
Ela escreveu: “Não pensem que são os feios, os
gordos, os baixinhos, os idosos que compõem a fileira dos mal-amados”.
As mulheres “aprenderam, de mãe para filha, há muitas gerações que os
homens bonitos não são confiáveis”. Intuitivamente, acatam o que pregava
o poeta surrealista romeno: “Os homens bonitos não são feitos para o
amor”. “No amor o que conta são outros talentos”, completou Kehl.
gordos, os baixinhos, os idosos que compõem a fileira dos mal-amados”.
As mulheres “aprenderam, de mãe para filha, há muitas gerações que os
homens bonitos não são confiáveis”. Intuitivamente, acatam o que pregava
o poeta surrealista romeno: “Os homens bonitos não são feitos para o
amor”. “No amor o que conta são outros talentos”, completou Kehl.
Quanto aos dotes intelectuais – ela continuou -, “infelizmente, é
verdade, muitas mulheres podem se apaixonar loucamente por grandes
idiotas, desde que eles não saibam que são idiotas”.
verdade, muitas mulheres podem se apaixonar loucamente por grandes
idiotas, desde que eles não saibam que são idiotas”.
A última
fileira de amaldiçoados foi reservada para homens casados. Neste caso,
mais uma vez, ficava contrariado o senso comum. Pois, ao contrário do
que se imaginava – sustentou Kehl -, os mal-amados não eram maridos
canalhas, cafajestes, brutos, adúlteros. Um homem destes podia enfurecer
sua mulher. Levá-la até a ameaçar “se atirar pela janela de
infelicidade”. Sem que, no entanto, ela deixasse de sentir fascínio
secreto por ele.
fileira de amaldiçoados foi reservada para homens casados. Neste caso,
mais uma vez, ficava contrariado o senso comum. Pois, ao contrário do
que se imaginava – sustentou Kehl -, os mal-amados não eram maridos
canalhas, cafajestes, brutos, adúlteros. Um homem destes podia enfurecer
sua mulher. Levá-la até a ameaçar “se atirar pela janela de
infelicidade”. Sem que, no entanto, ela deixasse de sentir fascínio
secreto por ele.
O casado mal-amado era outro homem. Injustiçado.
Kehl identificou-o como o sujeito esforçado malsucedido; trabalhador
honesto que dava duro, mas não conseguia sair do lugar; empregado
dedicado e mal pago.
Kehl identificou-o como o sujeito esforçado malsucedido; trabalhador
honesto que dava duro, mas não conseguia sair do lugar; empregado
dedicado e mal pago.
Depois disto, a pá de cal no que pudesse
restar de amor próprio nos mal-amados. Kehl reveou: eram eles mesmos
que, muitas vezes, procuravam “a mulher certa para fazê-los
(in)felizes”. Uma mulher, segundo ela, com comportamentos típicos. “A
enjoadinha de nariz torcido. A que nunca está satisfeita. A distante
suspirosa, de olhar sonhador – sempre pensando em outra coisa que ele
arde por saber o que é. A gostosa que não gosta de sexo, ou pelo menos
dá a entender que não gosta com ele. A misteriosa que não abre o jogo
nunca”.
restar de amor próprio nos mal-amados. Kehl reveou: eram eles mesmos
que, muitas vezes, procuravam “a mulher certa para fazê-los
(in)felizes”. Uma mulher, segundo ela, com comportamentos típicos. “A
enjoadinha de nariz torcido. A que nunca está satisfeita. A distante
suspirosa, de olhar sonhador – sempre pensando em outra coisa que ele
arde por saber o que é. A gostosa que não gosta de sexo, ou pelo menos
dá a entender que não gosta com ele. A misteriosa que não abre o jogo
nunca”.
Com mulheres deste tipo – ela concluiu – “os homens com vocação para mal-amados realizam prodígios de paixão”.
Acabou a fase áurea da circulação de Playboy com a crise provocada na
produção jornalística impressa pela internet. Sua tiragem, cada vez mais
minguada, levou-a à extinção, há pouco.
Acabou a fase áurea da circulação de Playboy com a crise provocada na
produção jornalística impressa pela internet. Sua tiragem, cada vez mais
minguada, levou-a à extinção, há pouco.
Um quarto de século transcorreu, desde a veiculação do texto de Kehl.
Hoje, possivelmente, alguns dos perfis humanos esboçados por ela fossem
revistos. Quem sabe, o marido “esforçado malsucedido” conseguisse,
atualmente, entrar num curso técnico ou numa faculdade, através de algum
programa social. E, assim, ficasse mais interessante aos olhos de sua
mulher. E um marido bruto e cafajeste, agora, se contivesse para não
acabar numa Delegacia da Mulher.
revistos. Quem sabe, o marido “esforçado malsucedido” conseguisse,
atualmente, entrar num curso técnico ou numa faculdade, através de algum
programa social. E, assim, ficasse mais interessante aos olhos de sua
mulher. E um marido bruto e cafajeste, agora, se contivesse para não
acabar numa Delegacia da Mulher.
Nada disto, porém, teria alterado o
amor. Ainda permanece injusto, com frequência. E em desarmonia com o
bom senso. Quase sempre. Felizmente. Talvez.
amor. Ainda permanece injusto, com frequência. E em desarmonia com o
bom senso. Quase sempre. Felizmente. Talvez.
*Oswaldo Coimbra é jornalista e escritor
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