Foto Itala Nepomuceno – relatório circunstanciado |
Instituto Manejo e Certificação Florestal Agrícola (Imaflora) e as
madeireiras Ebata e Golf, acusadas de não cumprir as regras do selo FSC
(Forest Stewardship Council) na Floresta Nacional de Saracá-Taquera, no
rio Trombetas, oeste do Pará. O MPF acusa a instituição certificadora e
as duas empresas de propaganda enganosa e práticas abusivas e pede a
suspensão da certificação e o pagamento de danos morais às comunidades
afetadas.
As madeireiras venceram licitação para explorar
florestas em uma região da Calha Norte paraense com forte presença de
populações tradicionais. A área é ocupada há gerações pelas comunidades
ribeirinhas Acari, Boas Novas, Samaúma II e Bom Jesus, na margem direita
do Trombetas.
Uma vez instaladas, em 2011, as empresas passaram
a criar sérios problemas de sobrevivência e conflitos com os moradores.
Os fatos foram denunciados ao MPF e ao Imaflora, que chegou a suspender
o selo FSC de ambas em fevereiro de 2015. Mas, sem resolução de nenhum
dos conflitos, o selo foi devolvido cinco meses depois, para revolta dos
comunitários e surpresa do MPF. Agora, a questão será discutida na
Justiça Federal de Santarém.
“Ao conceder o selo FSC, o Imaflora
induz o consumidor a erro fazendo-o crer que todos os princípios legais e
éticos de respeito sociocultural estão sendo observados. Mas, conforme
largamente demonstrado, há descumprimento deliberado de tais preceitos”,
diz a ação assinada pela procuradora da República Fabiana Schneyder.
“Certificada e certificadora, no caso em análise, estão inteiramente
conscientes das mazelas sociais causadas às comunidades ribeirinhas de
Saracá-Taquera, e ainda assim sentem-se confortáveis em certificar uma
ilusória situação de normalidade”, prossegue.
Para o MPF, a
situação claramente viola princípios da certificação florestal do FSC,
que determinam “obediência a todas as leis aplicáveis ao país onde
opera, os tratados internacionais e os acordos assinados por este país” e
também que “comunidades locais com direitos legais ou tradicionais de
posse ou uso da terra devem manter controle sobre as operações
florestais, na extensão necessária para proteger seus direitos e
recursos”.
Todos os problemas causados pela Ebata e pela Golf
estão documentados nas auditorias do próprio Imaflora desde 2013. A
lista é longa. A pedido do MPF, a pesquisadora Ítala Nepomuceno preparou
um Relatório Circunstanciado que mostra os prejuízos econômicos,
sociais e culturais da presença das madeireiras.
A pesquisadora
registrou prejuízos à segurança alimentar dos moradores, com o bloqueio
de áreas de pesca pelas empresas, a violação de locais com valores
míticos e até dificuldades de transporte geradas pelo constante
movimento de grandes balsas de madeira no canal que liga o lago do Acari
e o rio Trombetas, a chamada boca do Acari.
“Insistentemente, a
comunidade tem denunciado que a boca do Acari tem sido assoreada pelo
trânsito das balsas da empresa, dificultando a navegação por este canal
com embarcações de maior calado ou mesmo obstruindo a passagem. Ocorre
que, em virtude de sua dimensão, as balsas chocam-se às bordas do canal,
causando danos à vegetação, lançando toras e galhos à água e removendo
solo”, diz o relatório. Com isso, a locomoção dos ribeirinhos, em barcos
muito menores, ficou prejudicada.
Outro problema que o MPF
considera grave mas ao qual o Imaflora não deu atenção foi a construção
de uma estrada pelas madeireiras, com aterramento de um igarapé que não
só era ponto de pesca importante das famílias como um local de
importância mítica para as comunidades. O bloqueio do furo do Ajará com a
estrada impede a passagem dos ribeirinhos e provocou mortandade de
peixes nas águas represadas.
“A revolta da comunidade se
justifica a medida que o peixe é recurso vital para a subsistência
daquelas famílias. Além do impedimento físico por conta do aterro, os
ribeirinhos são ainda constrangidos com placas de proibição de pesca,
nas proximidades do porto da empresa, em locais onde pescaram por
gerações”, diz o relatório de Ítala Nepomuceno.
O furo do Ajará
figura como local habitado por entidades míticas nas várias narrativas
do grupo sobre seu mundo. Ante a revolta da comunidade com o aterro do
Ajará, o Imaflora registrou em uma auditoria: “este fato gerou um
desconforto e uma reclamação formalmente encaminhada à certificadora em
2014”. Mas em vez de exigir a retirada da estrada e a liberação do furo,
como pediam as comunidades, o Imaflora considerou que, por ter Licença
de Operação da Secretaria de Meio Ambiente, a Ebata e a Golf tinham
razão em aterrar o curso d’água.
“Ao tratar as crenças de um
grupo como meros desconfortos, subdimensiona os dramas que afligem
aquele povo. Sem se importar com as mazelas alheias, a certificadora
Imaflora demonstra não possuir a menor qualificação técnica para
informar corretamente o consumidor por meio de um selo FSC”, diz a ação
do MPF.
Irregularidade Fundiária
bastassem os conflitos entre a atividade madeireira e as atividades
tradicionais das comunidades, as empresas se instalaram em um imóvel
sobre o qual recaem suspeitas de irregularidade fundiária e que está
sobreposto a um Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) do Instituto
de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O assentamento
Sapucuá-Trombetas tem mais de 1400 assentados. De acordo com o Incra, o
título das terras arrendadas pela Ebata e pela Golf têm inúmeras
irregularidades. Análise da Procuradoria Federal Especializada do Incra
emitiu inclusive recomendação para o seu cancelamento. Tudo foi
informado ao Imaflora, que desconsiderou o parecer do Incra e manteve a
certificação sem exigir resolução.
“Para além da mera letargia,
o que se visualiza é a vontade dirigida à contemporização de um grave
problema de esbulho territorial, encoberto pelo manto protetor da
certificação FSC, pois aos olhos dos consumidores do produto
certificado, não pende qualquer conflito desta natureza”, diz a ação do
MPF.
O Selo FSC
no início da década de 90, para certificar práticas florestais
responsáveis e para prover uma variedade de serviços de auditoria, sendo
o Imaflora uma das certificadoras habilitadas a conceder este selo.
Para que uma empresa que pratique manejo florestal na Amazônia conquiste
o selo e goze das vantagens atreladas a ele, precisa atender aos
padrões de certificação do FSC para manejo florestal em terra firme na
Amazônia brasileira, aprovado pelo conselho de diretores do FSC
internacional. Este documento consagra os princípios e critérios a serem
aferidos pela instituição certificadora credenciada – como o Imaflora –
durante o processo de concessão do selo FSC. Assim, a empresa
certificada ganha um selo de adequação a este código de conduta
estabelecido, passando a ostentar o status de empresa
socioambientalmente correta. Fonte: MPF Pará.
Processo nº 778-74.2016.4.01.3902
Íntegra da ação
Íntegra do relatório circunstanciado de Ítala Nepomuceno
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