União alegou que as terras não estão demarcadas. Desculpa esfarrapada |
urgência medidas básicas para o atendimento à saúde de 13 povos
indígenas de Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos, no oeste do Pará. O
atendimento aos índios estava sendo negado sob as alegações de que as
terras desses povos ainda não estão demarcadas ou porque há índios que
não moram nas aldeias, mas o Ministério Público Federal (MPF) defendeu e
a Justiça acatou a tese de que esses critérios são ilegais.
A
decisão, segundo informa a assessoria do MPF, foi anunciada no site da Justiça no último dia 25, e o MPF teve
acesso à íntegra do documento na última quinta-feira, dia 28. O juiz
federal Victor de Carvalho Saboya Albuquerque estabeleceu prazo de 90
dias para que a União cadastre os indígenas no banco de dados do sistema
diferenciado de saúde, distribua os cartões para acesso aos serviços e
organize e passe a manter equipes de atendimento às comunidades.
As
etnias com direitos garantidos pela decisão são: Borari, Munduruku,
Munduruku Cara-Preta, Jaraqui, Arapiun, Tupinambá, Tupaiu, Tapajó,
Tapuia, Arara Vermelha, Apiaká, Maitapu e Cumaruara. Desde 2001 quase 6
mil indígenas desses povos reivindicavam à União a atenção diferenciada à
saúde, sem resposta.
A determinação liminar (urgente) também
estabelece que, dentro de 48 horas, a Casa de Saúde Indígena (Casai) de
Santarém deve passar a atender qualquer indígena que esteja morando na
zona urbana do município, provisória ou definitivamente. O atendimento
deve ser feito a indígenas das 13 etnias citadas na ação e a integrantes
de quaisquer outras etnias.
Em caso de descumprimento da
liminar, a multa é de R$ 10 mil por dia. Os prazos passaram a contar a
partir do dia 25, quando a Advocacia-Geral da União (AGU) tomou
oficialmente conhecimento da decisão.
Direitos ignorados –
Na ação, o procurador da República Camões Boaventura defendeu que não
se pode atrelar o acesso à saúde indígena à conclusão de procedimentos
demarcatórios, sob pena de a omissão e morosidade do Estado na
demarcação de terras gerar outra omissão, que é a falta de atendimento à
saúde.
“Também não é imprescindível, para ser indígena, que suas
terras sejam demarcadas. O que define o indígena é seu
autorreconhecimento como tal e sua ligação aos costumes, crenças e
tradições”, registrou a ação com base na Convenção nº 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2002.
Em
relação aos índios que vivem fora das aldeias (chamados de não
aldeados), o MPF destacou na ação que a portaria do Ministério da Saúde
nº 1.163/99 é categórica: “a recusa de quaisquer instituições, públicas
ou privadas, ligadas aos SUS [Sistema Único de Saúde], em prestar
assistência aos índios configura ato ilícito, passível de punição pelos
órgãos competentes”.
Má aplicação de políticas – “Em suma,
a questão versa sobre o efetivo cumprimento de normas legais e
infralegais que instrumentalizam políticas públicas já criadas e em
funcionamento, porém indevidamente aplicadas”, assinala o juiz federal
Victor de Carvalho Saboya Albuquerque na decisão.
Sobre a
vinculação do atendimento à saúde à finalização de processos de
demarcação de terras, Albuquerque registra que a ausência de
reconhecimento do direito fundiário não deve prejudicar o acesso a
outros direitos já assegurados à população indígena.
“Não se pode
olvidar [esquecer] que a demarcação de terras é ato meramente
declaratório, que reconhece situação fática já existente. Se não detém
caráter constitutivo não influi na identificação do índio como tal e nem
na obtenção de direitos outros já assegurados”, observa o juiz.
Sobre
o não atendimento, pela Casai de Santarém, a índios não aldeados,
Albuquerque enfatiza que a Convenção 169 da OIT deve ser respeitada.
“Assim, a inscrição de indígenas no Siasi [Sistema de Informação da
Atenção à Saúde Indígena] deve se pautar pela aplicação do critério do
autorreconhecimento.”
Em relação ao não atendimento, também pela
Casai de Santarém, a índios de áreas fora do município, a liminar
registra que a divisão territorial do subsistema de atenção à saúde
indígena serve apenas para orientar a organização e gestão
administrativas do serviço público, e não à vinculação de atendimento de
determinada Casai apenas à população indígena residente no município em
que esteja localizada. “À Casai compete o apoio à população indígena,
desimportando a localização geográfica da comunidade à qual pertence o
usuário atendido.”
Para o procurador da República Camões
Boaventura, a maior virtude dessa decisão é que ela surge em um momento
de intensos ataques aos direitos indígenas em todo o país e em uma
circunstância em que o denominado processo de etnogênese é visto,
equivocadamente, como um fenômeno de criação de “falsos” índios. “Não
podemos esquecer da famosa sentença judicial do final do ano de 2014
relativa à Terra Indígena Maró, também em Santarém, que, em um
preocupante desapego aos postulados antropológicos mais básicos, afirmou
que não havia índios na região do baixo Tapajós, declarando
inexistentes etnias e determinando a anulação do processo administrativo
de demarcação perante a Funai.
conseguimos anular essa sentença [mais detalhes em
http://goo.gl/5ltVfc], o que representa, portanto, duas significativas
vitórias recentes que reparam um erro histórico e extremamente opressor,
oriundo tanto da sociedade quanto das autoridades constituídas”,
ressalta o representante do MPF.
Processo nº 2096-29.2015.4.01.3902 – 1ª Vara Federal de Santarém
Acompanhamento processual: http://goo.gl/axzUKA
Íntegra da decisão liminar: http://goo.gl/c3XDUf
Íntegra da ação: http://goo.gl/Pr58vI
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