As famílias expropriadas pela Eletronorte tiveram uma vitória, mas a dívida social do governo com elas ainda é grande |
A juíza titular da 1ª Vara Cível de Tucuruí, Cintia Walker Beltrão Gomes, fechou acordo judicial em audiência de conciliação para pagamento de indenizações no valor de R$ 12,1 milhões a 2.343 famílias expropriadas pela Eletronorte para construção da usina hidrelétrica de Tucuruí. Cada família vai receber R$ 5,088 mil. Os pagamentos começam a ser feitos a partir do dia 20 de setembro.
A Eletronorte foi processada inicialmente pela Associação das Populações Organizadas Vítimas das Obras do Rio Tocantins e Adjacências (Apovo), por meio de uma ação civil pública impetrada pelo escritório Ismael Moraes, especializado em advocacia socioambiental.
Depois dessa iniciativa dos advogados da Apovo, os Ministérios Públicos Estadual e Federal também ingressaram com ação civil pública contra a Eletronorte. Com dois processos simultâneos correndo contra a estatal, a Eletronorte não teve mais como fugir de sua histórica omissão. Ela foi forçada a fazer o acordo, sob pena de pagar um valor bem maior do que o que efetivamente terá de pagar aos expropriados incluídos no Programa Social para os Expropriados de Tucuruí (Proset).
Antes do fechamento do acordo, que teve momentos de tensão entre as partes nele envolvidas, foram realizadas diversas reuniões com os expropriados, representantes da diretoria da Eletronorte, Ministério Público Federal e Estadual, tendo inclusive ocorrido reunião em Brasilia com a participação do Ministério Público Estadual, que culminou com a proposta de acordo, que não foi aceita inicialmente pelos advogados da Apovo em razão de divergências.
No começo deste mês diversos expropriados estiveram no Ministério Público do Estado para comunicar que já estariam negociando os valores da proposta de acordo à revelia da Justiça. Diante disso, o MPPA solicitou nova audiência de conciliação nos termos do Novo Código de Processo Civil. Corria também o boato de que oportunistas políticos, candidatos às próximas eleições, estariam tentando influir no acordo, mas o MP tratou de esclarecer não ter havido nenhuma intervenção nesse sentido.
Histórico do caso
Em 30 de novembro de 2004, a Eletronorte criou o Proset, destinando R$ 39,9 milhões para sua execução, dos quais R$ 22,8 milhões deveriam ser destinados ao pagamento da Verba de Manutenção Temporária (VMT) e R$ 17,1 milhões para aplicação na base de produção, como o funcionamento de cooperativas.
O Proset surgiu para atender as constantes reivindicações dos expropriados da 1ª etapa da hidrelétrica de Tucuruí, oriundos das cidades de Novo Repartimento, Tucuruí, Breu Branco, Goianésia do Pará, Jacundá, Itupiranga e Nova Ipixuna, que ocorreram desde o começo da década de 1980.
Um dos protestos dos expropriados foi a ocupação de parte da vila residencial da Eletronorte. As famílias somente deixaram o local após as tratativas que desencadearam o Proset. Com o desdobramento do programa, ocorreram o pagamento de VMT até julho de 2007 e foram criadas as cooperativas Agroindustrial e Comercial de Jacundá Ltda; Agroindustrial dos Expropriados de Novo Repartimento Ltda; Agroindustrial e Comercial dos Expropriados de Itupiranga Ltda; Agroindustrial e Comercial dos Expropriados de Nova Ipixuna Ltda; de Produção, Industrialização e Comercialização dos Expropriados de Tucuruí Ltda; e Agroindustrial e Comercial dos Expropriados de Breu Branco (e Goianésia) Ltda.
Ocorre que os R$ 39,9 milhões não foram revertidos em sua totalidade ao Proset. Segundo a própria Eletronorte, o valor real gasto com o Proset foi de R$ 16,3 milhões, utilizados para o pagamento de VMT e R$ 6,6 milhões em investimento nas cooperativas, o que totalizou o montante R$ 23 milhões. Quer dizer, deixaram de ser investidos R$ 16,8 milhões do valor inicialmente, em 2004, previsto para o Proset, sem que fossem apresentadas justificativas plausíveis para tanto.
Advogado protesta
Segundo o advogado Guilherme Sobral, que atuou como representante do escritório Ismael Moraes na audiência do acordo, os Ministérios Públicos Estadual e Federal tiveram “atitudes dúbias, defendendo que fosse devolvido à Eletronorte os valores que não fossem imediatamente recebidos, enquanto a associação lutou para que ficassem custodiados em Juízo até que os titulares surjam para sacá-los, porque há casos de pessoas que foram obrigadas a se mudar e de pessoas, a maioria idosos, que já faleceram de deixaram o direito aos sucessores, também pessoas necessitadas”.
Sobral disse ao blog Ver-o-Fato que os representantes dos Ministérios Públicos “defenderam estranhamente” que a Eletronorte pagasse valor irrisório a título de honorários aos profissionais que cuidam da causa há mais d 6 anos. “Essa foi uma bela demonstração de respeito à advocacia que os membros do parquet oferecem justamente no dia 11 ade agosto”, protestou.
O advogado disse que o MP recebeu há 30 anos documentos do caso e “nunca fez nada”. E enfatizou: “quando a Apovo ajuíza uma ação eles, por evidente vaidade, correm atrás e ainda querem desvalorizar o trabalho dos advogados. Deveriam se envergonhar disso”.
Desvio de verba
Sobral lembrou que a Eletronorte enfrentou, nos anos de 2001, 2002, 2003 e 2004 intensas manifestações de expropriados “a quem deu calote nas indenizações pelas áreas alagadas pelo lago de Tucuruí, quando a ocupação da estatal por acampamentos a obrigou a criar o Proset, como forma intermediária e paliativa de assistir os atingidos, até que uma forma de indenização definitiva fosse concluída.
Mas, como é típico do poder público no Brasil, o valor de 39 milhões aprovado pelo conselho de dministração da estatal “virou apenas um assistencialismo”, pago até julho de 2007. Após isso, em uma reunião de diretoria, prossegue o advogado, o presidente da empresa literalmente mandou “desviar” os recursos – termo até usado na ata de reunião.
“Desde o ano de 2011 que a Apovo” pediu a instauração de inquérito policial denunciando que quase 30 milhões de reais, valor de 2004, sem atualização, havia sido desviado por assessorias ligadas ao PT e a Ademar Palocci, irmão do todo-poderoso então ministro da Fazenda Antonio Palocci”, completa Sobral.
Por mais que o presidente da Apovo, Esmael Siqueira, comemore o acordo, ele o considera apenas “um pequeno paliativo para uma injustiça longe de ser reparada”. A entidade que ele comanda impressiona-se que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) continue a renovar o licenciamento da Eletronorte, embora o Proset e outros programas sociais da estatal constem como condicionantes.
Novas ações?
Siqueira observa que o secretário da Semas, Luiz Fernandes, tem conhecimento pessoal desse impedimento, mas ainda assim autoriza a renovação das licenças “como se nada estivesse acontecendo”. O dirigente da Apovo sugere que o MPPA e o MPF poderiam ajuizar ações, inclusive criminais, contra as autoridades da Semas e da Eletronorte.
“Eu me pergunto: por que esses dois Ministérios Públicos não ingressam com tais ações? Parece que eles, as autoridades, vivem num mundo à parte dos pobres, que nós somos seres inferiores que temos que aguentar os desmandos dos que detém o poder e são inatingíveis, porque são da mesma classe social”.
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