Durante os anos de 2006 a 2012 os dois militares militares estavam à frente da Diretoria de Apoio Logístico (DAL) da PM e desviaram, segundo denúncia da Promotoria Militar, mais de 300 veículos da corporação em favor do empresário Nicanor José da Silva que negociava as viaturas para São Paulo. A Justiça Militar acatou a tese do promotor Armando Brasil, condenando Ruth Léa e Raimundo Lima.
Em dezembro de 2017 o Tribunal de Justiça excluiu a a coronel dos quadros da PM. O sargento lima foi excluído hoje com a decisão da Justiça Militar. Em outubro de 2015, Nicanor José da Silva, que era testemunha do MP, foi executado por pistoleiros na Alça Viária, um dia antes de prestar depoimento na Justiça Militar.
O jornalista Carlos Mendes realizou uma ampla investigação sobre o caso que envolvia desvio de bens públicos em favor de um esquema do qual os principais envolvidos eram a coronel e o sargento. Segundo o que foi apurado, o corretor de veículos Nicanor Joaquim da Silva, um dos principais envolvidos no esquema de fraudes na venda total de mais de 2 mil veículos do Estado, estava com medo de morrer e ameaçava “abrir o bico”, entregando ao Ministério Público fatos novos sobre o caso.
“Foi uma armação, uma queima de arquivo, porque ele sabia muita coisa e não iria assumir tudo sozinho”, declarou uma fonte. Nicanor andava sofrendo “muita pressão” para não falar tudo o que sabia. Dias antes de ser baleado, recebeu telefonemas de várias pessoas, inclusive de São Paulo, e demonstrava um comportamento estranho. Saia de casa sem dizer para onde ia, deixando os familiares preocupados.
O inquérito que apura a morte de Nicanor, aberto pela Polícia Civil, corre sob sigilo, mas o foco aponta para São Paulo, para onde a maior parte dos veículos oficiais desviados de órgãos do governo do Pará foi levada a vendida. Até hoje esse inquérito dorme em alguma gaveta da polícia. As entidades assistenciais como Fundação Pestalozzi, Instituto Arca de Noé, Escola Salesiana do Trabalho, para as quais os veículos eram inicialmente doados e em nome delas vendidos, pouco receberam da negociação fraudulenta. É para essas entidades, contudo, que chegam as multas por infrações de trânsito cometidas pelos veículos que continuam rodando por várias capitais brasileiras.
Rolo grande
Segundo a promotoria, Ruth Léa, na função de diretora logística da Polícia Militar, teria doado viaturas da PM a instituições, entre elas a fundação Pestalozzi, mas as entidades nunca receberam os veículos. Para o Ministério Público, veículos da Polícia Civil, das Secretarias de Saúde, Educação e Segurança Pública do Estado também teriam sido desviados. O caso foi descoberto quando verificou-se que os veículos que deveriam ir para as entidades estavam circulando em outros estados depois de serem vendidos.
A defesa da coronel nega as irregularidades e diz que as doações foram feitas dentro da legalidade. Ruth Léa e o sargento Raimundo Nonato Sousa de Lima já foram denunciados à Justiça Militar pelo promotor Armando Brasil. A denúncia tem o suporte de interceptações telefônicas feitas com autorização judicial. Consta em depoimentos nos autos que Nicanor subornava servidores públicos para agilizar e direcionar doações, além de fazer incluir na lista de bens inservíveis a serem doados veículos em bom estado.
Em depoimento de um homem chamado Ramon Rodrigo Rolim, foi descoberto que Nicanor adquiria as viaturas da PM da seguinte maneira. O comandante da corporação localizava veículos que estavam parados no interior do Estado e emite um documento endereçado ao próprio Nicanor para receber as viaturas e trazê-las para Belém, a fim de ser reparadas. Só que essas viaturas não eram trazidas para Belém e nem retornavam ao interior, depois de supostamente ser reparadas, porque eram vendidas para Nicanor e embarcadas para São Paulo.
Rolim informa que Henrique – José Henrique Pereira, na casa de quem a polícia encontrou vários documentos de veículos que pertenciam a órgãos públicos – dizia que Nicanor pagava comandantes da PM para conseguir que veículos em bom estado fossem inseridos em lista de bens inservíveis a ser doados. Reafirmou que o próprio Henrique vendeu uma S10 cabine dupla para dar o dinheiro a Nicanor para que este pagasse os comandantes da PM e três viaturas da Rotam fossem incluídas na lista e uma delas seria de Henrique.
Ele declarou ainda ter visto por várias vezes um automóvel Honda Civic estacionado na garagem da casa de Nicanor. E Henrique disse que o carro pertenceria à mulher ou namorada de Nicanor que seria, inclusive, policial militar de alta patente. Ouviu também comentários de que Nicanor continuaria adquirindo veículos, todos da PM, e que esses carros estavam sendo retirados sem qualquer doação. Nesse caso, a situação ficou ainda mais grave.
Nicanor retirava as viaturas da PM com a autorização dos comandantes gerais da instituição militar, desde 2006. Buscando fortalecer esses indícios, a Divisão de Investigações e Operações Especiais (Dioe) e a Delegacia de Ordem Tributária (DOT) pediram à justiça a interceptação telefônica dos principais suspeitos. Sem Nicanor, as investigações sofrem prejuízos, mas já há indícios e provas suficientes que podem levar os acusados à cadeia.
Comandantes – Com isso, ficou comprovado que Nicanor arrecadava veículos da PM até mesmo sem a realização de doações a entidades filantrópicas e enviava a maioria para São Paulo, onde eram vendidos para Edgar Alves de Oliveira. O promotor Armando Brasil observa que Nicanor conseguia agir dessa forma graças ao que chama de “permissividade de oficiais superiores do alto comando da PM, com a participação e operacionalização ilegal dos denunciados coronel Ruth Léa Costa Guimarães, diretora de Apoio Logístico, o sargento Raimundo Nonato Souza de Lima, lotado no Centro de Suprimento de Manutenção (CSM), setor subordinado à diretoria de Apoio Logístico, e dos comandantes dos batalhões de polícia das cidades de Abaetetuba, Altamira, Bragança, Castanhal, Capanema, Cametá, Marabá, Paragominas, Parauapebas, Redenção e Xinguara”.
Segundo o promotor, esses comandantes deveriam, pelo menos, antes de entregarem as viaturas para estranhos à administração pública, solicitar ao seu comandante-geral ou ao Departamento de Apoio Logístico (DAL), que uma comissão de avaliação fosse aos seus batalhões para avaliar as viaturas consideradas inservíveis. E mais: somente após as assinaturas do instrumento de doação, a unidade de patrimônio procederia a entrega dos bens ao representante legal da entidade donatária e, posteriormente, efetivaria o registro de baixa dos bens de seu acervo patrimonial.
O repórter tentou localizar a coronel Ruth Léa e o sargento Lima para comentarem a denúncia do Ministério Público Militar, mas ambos não foram localizados. A PM também evitou comentar o caso, apenas informou que a coronel não está mais no serviço ativo, enquanto o sargento se encontra afastado da função no CSM.
“O que mais tem é carro em Paragominas”
Em conversas no dia 24 de outubro de 2012, Nicanor fala para Edgar que estava em Bragança, na companhia do capitão, e logo em seguida diz que conseguiu quatro camionetes, três Paratis e um Astra. Nicanor também deixa bem claro que as Paratis estavam todas funcionando, conforme a interceptação telefônica. Cinco dias depois, no dia 29, em outra ligação, Nicanor conversa com o major Denis do Socorro Gonçalves do Espírito Santos, subcomandante do 19º Batalhão da PM em Paragominas.
Ele informa que o caminhão que vai fazer o carregamento das viaturas vai chegar às 5 horas e pede para o major Denis deixar os documentos dos veículos com alguém. Já no dia 1° de novembro, por telefone, Nicanor fala para Márcia, sua atual mulher, que em Paragominas “ o que mais tem é carro”. Tudo isso estava ocorrendo, segundo o Ministério Público Militar, devido ao relacionamento de Nicanor com a coronel Ruth Léa, pois em conversa gravada no dia 24 de outubro ambos falam sobre uma transação bancária na Caixa Econômica.
A equipe de investigação encontrou uma consulta feita em 2012 por Ruth Léa ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) sobre a possibilidade de doações de bens inservíveis em ano eleitoral. Ocorre que mesmo com a proibição de doações em tempo de eleição, Nicanor continuava adquirindo veículos do Estado, mais precisamente da PM, e de forma muito mais ousada, pois as viaturas lhes eram entregues diretamente. Ou seja, era a pura comercialização de bens públicos.
Sargento promete ao telefone “desenrolar lista com o chefe”
Está claro também, afirma a promotoria militar, o envolvimento do sargento Raimundo Nonato Lima no caso. No dia 9 de outubro, Nicanor liga para o sargento e pede para que ele vá até o banco para apanhar o dinheiro. Nicanor diz que lhe entregará R$ 5 mil e mais R$ 5 mil no dia seguinte. Em gravação dia 31 de outubro, Nicanor pergunta se Lima está trabalhando e este responde que está esperando uma autorização de uma das viaturas do interior e informa que o chefe “tá viajando”. Nicanor quer saber para onde seria a autorização, mas Lima não sabe responder. Nicanor pede que ele verifique o “negócio”, que depois liga novamente.
“Fica claro – diz a denúncia – que o sargento Lima estaria obtendo, para si ou para outrem, promessa de vantagem, a pretexto de influir em militar ou assemelhado, ou funcionário de repartição militar, no exercício de sua função. Durante a prorrogação da interceptação telefônica, quando foi pedida a inclusão do telefone utilizado pelo sargento Lima, “ficou bastante clara a relação de corrupção existente entre eles”.
No 4 de dezembro, Nicanor diz ter interesse em apanhar alguns veículos em Parauapebas, mas para isso seria preciso primeiro proceder a baixa desses carros, o que é feito no Centro de Suprimento e Manutenção (CSM). Na ligação, o sargento Lima promete “desenrolar” e que vai levar a lista dos carros para o diretor do CSM assinar. Lima, pede, no dia 6, que Nicanor lhe dê a lista dos veículos que ele retirou para fazer a baixa patrimonial.
Nicanor pergunta no dia seguinte sobre Parauapebas e Lima responde que já entregou a lista e que o ofício “está na mão dele”- o chefe do CSM. As investigações detectaram mensagens trocadas, via SMS, entre o major Alexandre Mascarenhas dos Santos, sub-diretor da Diretoria de Apoio Logístico – setor chefiado pela coronel Ruth Léa – e Nicanor. Para a Dioe, as mensagens indicariam o envolvimento do oficial no esquema fraudulento.
Corretor tinha livre acesso ao comando da PM
As investigações apontam que Nicanor esteve pessoalmente em Bragança, Paragominas, Altamira e planejava ir para Parauapebas. Em Altamira, a Dioe fez registros fotográficos dos veículos sendo carregados em “cegonhas” (carretas). Para seguir o trajeto desses veículos até o destino, a polícia colocou um aparelho de GPS em alguns carros. O aparelho informou que as viaturas foram descarregadas em São José do Rio Preto (SP). As investigações provaram que Nicanor arrecadou os veículos em diversas cidades do interior e que esses bens públicos lhes eram entregues diretamente.
Se antes ele utilizava entidades sociais e filantrópicas como testas de ferro para esse fim, a partir daí passou a agir em nome próprio, “entrando nos quartéis da PM, corrompendo militares que desviaram patrimônio público em troca de alguma vantagem, cometendo os crimes de peculato-desvio e corrupção passiva”, ressalta o MPM. O trabalho de investigação policial concluiu que Nicanor contou com a participação decisiva da coronel Ruth Léa para colocar em prática o esquema de desvio de bens públicos.
“Ele frequentava o quartel do comando-geral da PM, onde funciona a DAL, tendo ambos conversas descontraídas. Nicanor prestava favores à coronel, pagando a prestação de um Honda Civic dela, além de passagens aéreas e embarque de sua Nissan Frontier para Minas Gerais, para onde Ruth Léa pretendia passar suas férias”, observa a promotoria. Consta nos autos que existe um negócio bancário na Caixa Econômica Federal envolvendo a coronel e Nicanor.
Trata-se do financiamento de um galpão que estaria no nome da coronel, mas que na verdade seria de Nicanor, que pretendia arrecadar no começo de 2013, segundo ele próprio revelaria em conversa interceptada por ordem judicial, 600 veículos de um só lugar. Nessa conversa, ele fala com Edgar Alves de Oliveira. Outras pessoas ligadas ao corretor também arrecadam veículos da PM, diz o inquérito. Rogério Baena da Silva e Francisco Alves, o “Chicão”, fariam parte da rede criminosa.
Sinal – Em uma conversa gravada no dia 06 de dezembro do ano passado, dias antes da prisão dos denunciados pelo promotor militar Armando Brasil Teixeira, eles mencionam que Nicanor estava “esperando um “start” (sinal) de um coronel, para liberar os lotes e mandar as camionetes. “Chicão” diz na ligação que já foi inclusive em quartéis da PM no sul do Pará e sabe como funciona tudo. E afirma que tem 10 camionetes para receber em Belém com Nicanor.
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